As três reedições de 2011, a descobrir numa feira do livro perto de si |
Um excerto
"Era eu rapaz, e ainda impressionável, meu pai deu-me um dia um conselho que, desde então, me ficou às voltas na cabeça. Disse ele:
- Quando te sentires com vontade de criticar alguém, lembra-te
disto: nem todos tiveram neste mundo as vantagens que tu tiveste.
Mais não disse, e bastou: fomos sempre muito comunicativos, mas
com certo aticismo. Percebi que ele queria dizer muito mais do que as palavras.
Tornei-me assim propenso a reservar os meus juízos, hábito este que me deu a
chave de muitos temperamentos interessantes e me tornou vítima, também, de um
grande número de maçadores encartados. O espírito anormal não tarda em
aperceber-se desta qualidade e em se lhe apegar, se a encontra num indivíduo
normal; e aconteceu que, na escola, fui injustamente apodado de «político», só
porque me tornava o repositório das mais secretas queixas de pessoas agrestes e
reservadas. Não era que eu solicitasse as confidências: mais de uma vez fingi
que dormia, ou que estava distraído, ou simulei uma hostil ligeireza de ânimo, ao
aperceber-me, por algum sinal iniludível, de que uma revelação íntima tremulava
no horizonte: pois as confidências da gente moça, ou pelo menos os termos em
que se exprimem, são habitualmente plagiárias e viciadas de óbvias supressões.
Isto de reservar o nosso juízo é uma das questões de infinitas esperanças.
Ainda hoje me sinto um tanto receoso de que alguma coisa me escape, se me
esqueço de que, como o meu pai sugeriu com snobismo, e eu com snobismo repito,
o senso das decências fundamentais da vida é um dom desigualmente repartido à
nascença..."
...
- Um dicionário? -Temos!
...
Em breve, numa sala de cinema: