sábado, 17 de abril de 2021

Onde estava no 25 de abril?

Os alunos do K.Leio responderam mais uma vez ao desafio da professora Fátima Lopes no âmbito da disciplina de História. Desta vez, entrevistaram familiares, vizinhos e conhecidos sobre esse dia em que "emergimos da noite e do silêncio"*.

Entrevistado: Evaristo Pereira Felgueiras, 69 anos
Entrevistadora: Daniela Felgueiras


P.: Onde estava no dia 25 de Abril de 1974?

R.: Estava em Paris, na França.

P.: Porque decidiu sair do país? Como o fez? Saiu legalmente ou clandestinamente?

R.: A razão principal foi para não ter de ir para a tropa. Saí daqui clandestinamente, em setembro de 1970, com 19 anos, com um amigo meu que já faleceu, coitado. Cheguei lá e tentei arranjar emprego numa tipografia. Não consegui, porque não tinha carta de trabalho nem carta de residente, não tinha nada, porque estava lá ilegalmente. Tinha de arranjar um emprego, fosse ele o qual fosse, por isso acabei por trabalhar num restaurante a lavar pratos. Daí fui promovido até chegar a subgerente. Nesse restaurante fiz tudo o que pude e, ao fim de 3 anos, fui procurar emprego noutro lugar. Trabalhei em muitos restaurantes e, eventualmente, trabalhei como tipógrafo em vários sítios. Nunca quis sair de Paris para mim, Paris é “A Cidade”. Só voltei para Portugal em 1982 e três anos depois voltei a sair do país.

P.: Porque voltou a sair de Portugal?

R.: Mesmo depois da revolução o estado do nosso país não me agradava. Havia uma certa evolução, mas em relação ao que eu estava habituado (em França), havia, pelo menos, 30 anos de atraso. E hoje em dia já nem são trinta, são 50.

P.: Como lhe chegou a notícia acerca da revolução? Quando soube do que se tinha passado em Portugal qual foi o primeiro pensamento? O que sentiu no momento?

R.: Acordei às 9 horas da manhã no dia 25 e acordei com as notícias na rádio. O meu primeiro impulso foi querer voltar para Portugal. A ditadura tinha acabado, por isso eu senti que estaria seguro e não sofreria consequências por ter emigrado clandestinamente. Depois de pensar no assunto, durante 3 ou 4 dias, decidi que a decisão de voltar foi fruto da excitação do momento e não a decisão certa, por isso acabei por continuar na França.

P.: Porque não quis voltar?

R.: Regressar acabou por não ser a melhor decisão para a minha saúde mental. Além do mais, na França tinha amigos e um emprego estável, onde ganhava uma quantia que na altura eu considerava uma fortuna. Achei melhor não arriscar perder o conforto que tinha na França e trocá-lo pela situação incerta que me esperava se tivesse voltado.

P.: Sabendo o rumo que a sua vida tomou tendo ficado na França, se tivesse a oportunidade de tomar a decisão de novo, ficava em França ou seguia o seu primeiro instinto e regressava a Portugal de imediato?

R.: A minha decisão seria exatamente a mesma. Para a guerra colonial eu não iria nem 1 hora quanto mais os 4 anos que teria passado nisso (na guerra). Ter ido para a França fez de mim quem sou hoje. Permitiu que eu me tornasse independente e obrigou-me a aprender a lidar com a vida sem depender de ninguém para além de mim mesmo. E foi em Paris que aprendi a trabalhar na hotelaria e a fazer comida italiana, o que até hoje faço no meu próprio restaurante. A minha vida tinha sido completamente diferente se eu tivesse ficado em Portugal.

P.: Durante o Estado Novo, quando e como se apercebeu que era necessário serem feitas mudanças?

A partir dos 14 anos comecei a ser consciente daquilo que se passa no país e comecei a ter consciência que não podia apoiar o regime. Todos os dias lia o jornal, não servia de muito devido à censura. No tempo do obscurantismo, como gosto de chamar ao Estado Novo, chegamos a mandar vir jornais de fora para lermos acerca do que se passava no nosso país porque as notícias que os países de fora escreviam não eram censuradas. O problema era que, muitas das vezes, quando os jornais falavam de Portugal, não era permitido que chegassem às nossas mãos.

P.: Tem alguma história de quando ainda vivia em Portugal no tempo do Estado Novo que queira partilhar?

R.: Tenho, sim. Eu e os meus amigos éramos um grupo um bocado particular. Tínhamos sempre 2 polícias atrás de nós. Criticávamos abertamente o regime e tentávamos abrir os olhos das pessoas à nossa volta. Na altura das eleições de 1969, em Viana do Castelo havia uma série de pessoas que estavam envolvidas com o MDP/CDE (Movimento Democrático Português / Comissão Democrática Eleitoral), a maior parte já morreu. Durante a campanha eleitoral, eu e 14 outras pessoas, começamos a trabalhar com o MDP/CDE e a recrutar outros que conhecíamos para nos ajudar e a meio da campanha éramos já 100. Trabalhávamos na sede, que era na rua Manuel Espregueira, trabalhávamos com o Jornal “Aurora do Lima”, imprimíamos o manifesto e tudo o que fazia falta para a campanha. Chegamos a passar noites inteiras lá. No último dia da campanha, que, se me lembro bem, era uma sexta-feira, tínhamos até à meia-noite para fazer campanha. Fomos para a Rua de Aveiro distribuir panfletos até às onze e meia da noite, para provocar os polícias. Como a essa hora ainda andávamos na rua, os polícias andaram atrás de nós. Refugiamo-nos no café Moderno e uns pescadores que lá estavam começaram a berrar com os polícias em nossa defesa dizendo que não estávamos a fazer nada de errado, só estávamos a fazer o nosso trabalho.

P.: Considera que Portugal precisa de uma revolução semelhante ao 25 de Abril nos dias de hoje? O que acha urgente mudar no nosso país de hoje?

R.: Acho que precisamos de uma revolução um bocadinho melhor. Talvez tenha de ser uma revolução mais sangrenta, a do 25 de Abril foi demasiado benevolente. Talvez só com violência possa acontecer uma mudança significativa que realmente faça a diferença na forma como nós vivemos e na forma como os políticos do nosso país agem. Na minha opinião, toda a estrutura política tem de ser alterada.

*Sophia de Mello Breyner Andresen, poema "Esta é a madrugada que eu esperava"

Sem comentários:

Enviar um comentário