segunda-feira, 19 de abril de 2021

Onde estava no 25 de abril?

 

Os alunos do K.Leio responderam mais uma vez ao desafio da professora Fátima Lopes no âmbito da disciplina de História. Desta vez, entrevistaram familiares, vizinhos e conhecidos sobre esse dia em que "emergimos da noite e do silêncio"*.

P: Avó, onde estava no dia 25 de Abril?

R: “No dia 25 de abril? Ora, no dia 24 estava em casa e ouvimos qualquer coisa na rádio, não ligamos muito. Depois os acontecimentos começaram a ganhar proporções e nós começamos a ouvir que tinha havido uma revolução, mas como a nossa vida era pacata, em Elvas, e o trabalho que fazia o meu marido, era no serviço de passaportes (PIDE), não tínhamos nada pelo que nos revoltar.”

P: A avó é o que muitos chamam um dos bebés da ditadura. Na altura, mesmo sendo a realidade que conhecia, tinha algum aspeto que ao crescer lhe despertou um sentido de “isto não está certo”?

R: “Nunca. Sempre vivi à vontade, falava à vontade sem qualquer obstáculo. E vivia bem, graças a Deus.”

P: Quais foram os valores que diria que a sua família mais reforçou na sua educação?

R: “O estudo e a boa educação, valores fundamentais na criação de qualquer criança.”

P: Sobre a sua instrução, até que ano estudou?

R: “Era na altura o segundo ano da admissão, que agora corresponde ao sexto ano.”

P: Qual foi a razão de ter deixado os estudos?

R: “Porque eu não gostava muito de estudar, e então a minha mãe como tinha ambição que eu tirasse um curso, resolveu pôr-me num colégio em Lisboa para tirar o curso de enfermeira. Porém como eu não gostava, andei até que a meio do ano, acabei por desistir e vim me embora. *entre gargalhadas*
Que hoje me arrependo muito, torço muito a orelha porque a vida não é fácil se a gente não fizer por ela.
Mais tarde, cheguei a tirar o curso de tipografia, que havia facilidade nessa altura.”

P: Algo que sempre me despertou curiosidade, foi o facto de a avó não ter tirado a carta. Teve alguma razão específica para o não fazer?

R: “Quando era nova nunca tive curiosidade nem vontade, tão pouco. Quando casei, ganhei hábito de andar sempre com o teu avô. Seja para café, seja para qualquer outro lado. Andávamos sempre juntos, por isso não precisava de conduzir. Algo que não era costume das mulheres, por exemplo, ir a um café devido às mentalidades”

P: Como compara as refeições de agora e as que tinha regularmente durante a sua infância/juventude?

R: “Ah… eram muito melhores as refeições de antigamente. Primeiro pelo tipo de confeção, que agora é só hambúrgueres, massas e essas porcarias todas. Antes era mais saudável sem dúvida.
Além da confeção, o convívio da família à volta da mesa. Agora, em vez de se comer e se falar, tem-se o telemóvel à frente.”

P: Durante o Estado Novo teve de apertar nas refeições por falta de dinheiro?

R: “Graças a Deus, não. Podia não haver para certos luxos, mas no que toca às refeições era fundamental que todos em casa comessem bem.”

P: Como eram os namoros da altura?

R: “Os namoros da altura eram muito engraçados! Até nisso, fui uma exceção por ter a liberdade de ir a todo o lado. Na zona onde eu morava, no Alentejo, os namoros eram com as raparigas à janela, com o rapaz cá em baixo.
Eu, por outro lado, quando tive ordem para namorar, depois da minha mãe e madrinha andarem a informar-se sobre quem era e se era de boa família, ele entrava e estávamos na sala. Mas eu tinha uma tia que andava pelo corredor, para cima e para baixo para ver o que estávamos a fazer.”

P: O que era visto como inapropriado que nos dias de hoje se vê diariamente?

R: “O agarramento e essas coisas todas… Não digo que não se fizesse essas coisas todas, só que era recatadamente.”

P: Quais foram os empregos que teve?

R: “Trabalhei em escritórios como já mencionei, trabalhei num centro de saúde na parte de escritório, e outros trabalhos dentro da tipografia.”

P: O avô trabalhou muitos anos na PIDE. Qual era o trabalho que tinha?

R: “Serviço de fronteiras, passaportes, entrada e saída de navios, entre outros desta natureza. Nunca esteve em investigação criminal, nem nada do género…”

P: Quais foram as exigências que este trabalho vos trouxe?

R: “Exigências relacionadas com o civismo. Tínhamos de ter um comportamento adequado. Por exemplo, para eu casar com o teu avô, fizeram-me uma investigação da minha vida e da minha família, só depois da averiguação é que obtivemos a autorização para casar.”

P: Lembra-se de alguma história sobre o trabalho do avô?

R: “Lembro-me de muitas histórias que mostram o bom coração do teu avô. As fronteiras fechavam à meia-noite, e nós morávamos perto. Muitas noites, iam lá bater à porta os homens da guarda civil pedir que ele fosse lá, fora de horas, porque famílias com crianças e bebés; precisavam da sua autorização, senão ficavam retidas a noite até ao dia seguinte.”

P: Qual era o evento mais usual para encontrar os amigos?

R: “Quando ainda era solteira não era muito usual sair, nem me era permitido. Mas eu lembro-me que como não havia água canalizada nas terras, e as raparigas aproveitavam-se de o costume de ir buscar água com os cântaros às fontes, para irem namoriscar…
Até nos bailaricos que havia na minha rua, com bandas, tudo enfeitado, mesmo por baixo da janela da minha avó, eu não estava autorizada de descer.
Quando comecei a namorar com o teu avô tive de aproveitar quando ia à escola para namorar, e quando não havia ia inventando uma ida ao dentista ou ao mercado.”

P: Como era vista a guerra colonial entre a população?

R: “Não gostavam porque iam muitos homens que não voltavam. Ninguém gosta de guerra mesmo sendo das nossas colónias. Felizmente não conheci ninguém, próximo pelo menos que tivesse ido.”

P: Sentiu que foram pedidos mais sacrifícios às pessoas na altura da guerra?

R: “Salazar já na altura da guerra civil em Espanha dizia: “Eu livro-vos da guerra, mas não livro da fome”. Portanto, sacrifícios e fome havia sempre. Infelizmente com a guerra veio um novo sacrifício, o sacrifício humano.”

P: Qual foi a primeira vez que votou? O que pensava quando lhe era impedido esse direito?

R: “A primeira vez que votei foi já depois de casada, com dezanove ou vinte anos. Não era muito usual as pessoas votarem, sem ser os do governo, a polícia e afins, por isso nunca me senti injustiçada.”

P: Em que momentos ou situações eram claras atitudes ou mentalidades machistas?

R: “Infelizmente o machismo sempre existiu, os homens com a mania de mandar nas mulheres e antigamente muito mais. A maneira mais chocante era a violência doméstica, embora elas não se queixassem.”

P: Alguma vez se sentiu demasiado controlada ou limitada pelo regime?

R: “Não, eu sempre fui livre, fiz aquilo que quis e me apeteceu.”

P: Qual era a sua opinião quanto ao Salazar?

R: “É como agora, desde que não me chateie e me deixem viver em paz para mim tudo bem.”

P: Acha que essa seria a opinião geral da população?

R: “Acredito que não, mas como já disse a gente tem que respeitar as ideias de cada um, embora muita gente não o faça.”

P: A sua família apoiava o regime?

R: “Até onde o meu conhecimento vai, sim. Nunca ouvi dizer mal, mas nós também não falávamos de política.”

P: Se dependesse se si, achava bem voltarmos à ditadura?

R: “Em certas coisas, sim. Liberdade a mais muitas vezes acaba por prejudicar muita gente.”

P: Em que acha que eu e os jovens da minha idade teríamos mais dificuldade em adaptarmo-nos a um regime como o do Estado Novo?

R: “O falar tudo que vai na cabeça, talvez. Mas isso também tem a ver com a educação que se recebia na altura, os pais não deixavam os filhos fazerem o que muitos fazem agora, por isso este aspeto não é totalmente influenciado por ser na altura do Estado Novo ou não.”

P: Como é que reagiram os seus conhecidos e vizinhos, sabendo que o avô trabalhava na PIDE, depois do 25 de Abril?

R: “O teu avô conhecia bem pessoas que a sua ideologia era comunista, ainda durante o Estado Novo. Casais amigos que iam lá a casa e comiam na nossa mesa. Nós sabíamos e sempre respeitámos, que é o que se deve fazer. Por isso, depois do 25 de abril os nossos amigos reagiram normal, apoiaram-nos quando precisávamos, quando o teu avô foi preso por fazer o seu trabalho, e nunca nos abandonaram. Sabiam bem quem éramos e não tinham razão de queixa.”
Marta Stuart, 12º F

*Sophia de Mello Breyner Andresen, poema "Esta é a madrugada que eu esperava"

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