quinta-feira, 9 de maio de 2024

Onde estavas no 25 de abril?: entrevista vencedora

O melhor da ditadura é o fim

Hoje, temos a honra de receber Acácio de Barros Pereira Pimenta e Virgínia de Carvalho Pereira Pimenta, duas pessoas inspiradoras que nos vêm contar um pouco sobre a sua experiência de vida no tempo em que viveram sob o regime de ditadura salazarista. O Acácio é um ex-combatente da Guerra Colonial em Moçambique. Ele fazia parte das tropas paraquedistas, onde tinha o cargo de sargento miliciano.

Carolina Pimenta (CP) – Entrevistadora - Seja bem-vindo, é um prazer tê-lo aqui connosco. Acácio, conte-nos como foi viver num regime de ditadura.

Acácio Pimenta (AP) – Entrevistado – Viver em ditadura foi difícil, é quase indescritível. Nós não vivíamos, nós andávamos por aqui... Viver em ditadura, era viver debaixo de uma opressão terrível, debaixo de um terror sufocante, era viver de uma maneira isolada, desconfiada, porque nós não sabíamos se quem estava ao nosso lado era amigo ou inimigo. Havia um ditado que era: “A gente tem de ter cuidado com o que diz porque até as paredes têm ouvidos.”, imaginem o pânico e a desconfiança
constante em que nós vivíamos para dizermos que até as paredes têm ouvidos. Desconfiávamos de tudo e de todos. Vivíamos com medo de sermos presos, com medo de sermos perseguidos, com medo que incomodassem a nossa família por alguma coisa que fizemos ou dissemos. Era terrível!
Havia algo que a ditadura impunha à esmagadora maioria da população portuguesa: a miséria. As pessoas viviam horrivelmente no nosso país, sem luz elétrica nem água canalizada. A maior parte das casas eram autênticos barracos. A desgraça era tanta que as pessoas viam-se obrigadas a emigrar, clandestinamente, era o que nós chamávamos de “ir a salto” para um país.
As pessoas hoje em dia não conseguem imaginar o que era viver debaixo de uma ditadura fascista, terrorista e assassina! Assassina porque muitos que lutaram pela liberdade morreram nas mãos da PIDE*, uma polícia com ouvidos em todos os lados, devido aos seus informadores, a quem nós chamávamos de “bufos” e cujo objetivo era denunciar os revoltosos.
Viver em ditadura era isto, era assistir à desgraça, à miséria e à tristeza.

CP – Quando soube que a revolução tinha triunfado? O que sentiu nesse momento?

AP– Na altura, estava a estudar no Porto e pertencia à equipa de futebol dos Salgueiros. No dia 24 de abril, por volta das vinte e três horas, ouvi a canção do Paulo de Carvalho, “Depois do Adeus”, a tocar na rádio, mas não dei muita importância…
No dia seguinte, às oito horas, levantei-me e liguei o rádio, como era habitual e a primeira frase que ouvi foi “Aqui fala a voz do movimento das forças armadas.”. Fiquei muito confuso, não sabia o que se estava a passar. Entretanto começa a dar música de intervenção, lembro-me perfeitamente de ouvir o “Grândola vila morena”, de Zeca Afonso. Quando abri a porta de casa, vejo um militar com a espingarda apontada para mim e para os meus colegas. Eu fiquei atrapalhado, pedi-lhe para ter calma e disselhe que só íamos apanhar o elétrico em frente ao quartel general porque éramos jogadores de futebol e íamos ter treino. No caminho deparámo-nos com um enorme movimento de pessoas que iam chegando e amontoando-se nas ruas. Não nos demorámos muito naquela azáfama porque tínhamos de ir treinar, mas fomos, a viagem toda, a questionarmo-nos sobre o que se estaria a passar. Chegámos ao campo de futebol e encontrámos o resto da equipa a conversar sobre o que estava a acontecer, havia muita incerteza, muitas perguntas… Agora eu vou contar algo que não costumo dizer, a minha mulher sabe, mas o resto da minha família não sabe. Eu distribuía uns documentos clandestinos contra a Guerra Colonial, contra o regime fascista e a apelar pela liberdade democrática. Portanto, já estava com uma ideia de qual seria a causa de tal agitação, mas, não querendo criar falsas esperanças, não
disse nada. O nosso treinador, Artur Quaresma, chega ao relvado e diz-nos “Malta, hoje não há treino, até amanhã.”. À quarta-feira tínhamos treino bi-diário e ele dispensou-nos! Naquele momento tive a certeza que algo não estava bem. Fomos almoçar e, em seguida, dirigimo-nos para a Avenida da Liberdade, onde já estavam multidões de pessoas. Toda a gente estava com uma disposição diferente, as pessoas sorriam, abraçavam-se, beijavam-se, sem sequer se conhecerem, tamanha era a alegria trazida pela chegada da liberdade. Foi com um prazer imenso que recebi a notícia do movimento das forças armadas sobre o que acontecera nesse dia 25 de abril e sobre a doce liberdade que íamos passar a ter.
Eu vivi o 25 de abril de 1974 com uma alegria enorme, foi das maiores alegrias da minha vida, equiparada à alegria do meu casamento, do nascimento dos meus filhos e dos meus netos.

CP - Vamos à última pergunta, Acácio, como foi o período a seguir à Revolução? Quais foram as maiores dificuldades?

AP– A revolução não foi só um dia, não foi só o 25 de abril. Para consolidar a democracia foram precisos alguns anos. Assistiu-se a muitos exageros, a muitas injustiças, a muitas perseguições… Eu, por exemplo, pertenço a um partido político que me queimou, a mim e a uma série de camaradas de Ponte de Lima. Assistiu-se a muitos conflitos, na sua maioria provocados por uma informação deformada dos media, que levavam as pessoas a ter reações controversas que não tinham nada a ver com os objetivos da revolução democrática. Para além disso, havia forças antidemocráticas (as MRPP’s* e as UDP’s* com o objetivo de armar confusão no povo. Apresentavam-se como grandes defensoras dos trabalhadores, mas era tudo mentira, não defendiam ninguém… A realidade de algumas famílias populares era tão miserável que a vontade sôfrega de ter uma vida melhor não os deixava pensar com clareza e levava-os a acreditar nesses “contos de fada”.
Felizmente, os benefícios da revolução levaram a melhor e assistimos a coisas fantásticas como a criação de um serviço nacional de saúde e de um sistema de ensino gratuitos. No meu tempo de escola pagava-se propinas desde o quinto ano e agora até os livros dão! Fomos presenteados com uma extensão da rede de luz elétrica, de saneamento e de água canalizada. Hoje em dia é impensável construir uma casa sem estes serviços básicos, mas na minha aldeia todos crescemos sem esses luxos.
O pós-revolução trouxe muitos desacatos, mas a esmagadora maioria dos resultados da revolução traduziram-se em conquistas para os portugueses.

CP – Muito obrigada, Acácio, por despender um bocado do seu tempo para partilhar connosco a sua experiência de vida durante este período negro da História de Portugal. A ditadura salazarista marcou os portugueses pela falta de liberdade e pelo medo. Todos os dias devemo-nos sentir gratos por sermos cidadãos livres, nunca esquecendo aqueles que lutaram para acabar com o regime autoritário. Posto isto, homenageemos os heróis do dia 25 de abril de 1974, defendendo a nossa liberdade.

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* PIDE – Polícia Internacional e de Defesa do Estado
MRPP – Movimento Reorganizativo do Partido do Proletariado
União Democrática Popular
Trabalho realizado por Carolina Lima, 12º C

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