quinta-feira, 29 de abril de 2021

Onde estava no 25 de abril?

 
Os alunos do K.Leio responderam mais uma vez ao desafio da professora Fátima Lopes no âmbito da disciplina de História. Desta vez, entrevistaram familiares, vizinhos e conhecidos sobre esse dia em que "emergimos da noite e do silêncio"*

O 25 de Abril de 1974 foi um dia marcante para todos os que o experienciaram das mais diversas formas, principalmente para aqueles que já haviam atingido a idade adulta e conheciam o regime que findava.

Para tentar perceber como foram afetados os meus avós maternos, comecei por lhes perguntar onde estavam no dia 25 de Abril de 1974?- tendo o meu avô respondido: “Levantei-me cedo, como sempre, e fui trabalhar. Havia uma avaria num portão. O patrão, Zé Lima, chegou cedo falando de umas marchas militares e por isso lhe perguntei pelo que se passava. Diz ele - Há um golpe de estado. Eu, sendo contra o governo, disse - Até que enfim! Olhou-me com olhos de quem me queria matar.” A resposta da minha avó foi mais hesitante dizendo apenas que “Estava em casa a tomar conta dos filhos quando ouvi a notícia pela rádio”.

Após afirmar que era “contra o governo” questionei o meu avô da seguinte forma “Foste destacado para a guerra Ultramar?”, tendo respondido sem hesitação: “Em abril de 1967 fui obrigado a assentar praça para o serviço militar obrigatório. Fiz recruta em Braga, tirei a especialidade em Tomar e aguardei embarque em Santa Margarida. Daí parti para Lisboa e embarquei num navio (Uige) como se fosse carne para canhão. Fui levado até à Guiné onde, contra a minha vontade, participei na guerra e fui gravemente ferido em combate. Ferimentos esses que levaram à perda de órgãos e fiquei deficiente militar para o resto da vida.”.

A questão seguinte foi direcionada para a minha avó, “Após o destacamento para a guerra, qual foi o sentimento que prevaleceu?”. Ela respondeu: “Fiquei triste, já namorávamos há quase três anos. Muitas saudades. Antes de partir ofereci-lhe um fio de ouro com uma medalhinha, para que Nossa Senhora o protegesse na guerra. Deu-se o caso de ser ferido, deixando ficar lá a medalhinha e regressando apenas o fio. Ele veio ferido para a metrópole e esteve internado no Hospital da Estrela mais de um ano. Tinha uma perna ao alto, toda queimada, um braço partido ao peito e cheio de operações por causa dos estilhaços. Familiares e amigos encorajaram-me para o deixar, dizendo que ele não tinha coração, que não se ia safar.” Perguntei-lhe ainda se “Durante o tempo em que o avô esteve na guerra, conseguia receber informações dele? Como?” dizendo: “O correio era por meio de cartas ou de aerogramas e escrevia-lhe todos os dias uma carta, pois demorava muito tempo a chegar”

Avô, após voltar da guerra, a ideia que tinha sobre o Governo manteve-se? Respondendo vigorosamente: “A ideia que tinha do governo era péssima, porque era uma ditadura que ninguém podia dizer nada, não podia lutar pelos direitos, não podia nada. Andei a ser perseguido pela PIDE, por precisamente lutar pelos meus direitos. E foi por isso que a minha reação em frente ao patrão foi aquela, porque estava finalmente livre de ser perseguido”. Perguntei-lhe por sua vez “O que fizeste para ser perseguido?” ao que respondeu: “Exigia os meus direitos, aquilo a que tinha direito. Foi o caso de um cartão que me dava direito ao transporte na via férrea, aérea, tinha direito a um juro mais barato na construção de habitação própria e tinha direito a adquirir uma viatura sem ter que pagar qualquer tipo de imposto. E isso estava apenas escrito em papel, não saía cá para fora. Havia meninos bonitos que, com ofertas a determinados oficiais no Ministério da Defesa, conseguiam adquirir esse documento. Eu, caí na asneira de no Ministério da Defesa dizer isso, onde por sua vez os oficiais queriam a todo o risco que eu dissesse quem foi a pessoa que me informou de tal coisa. Eu recusei várias vezes até que acabei por ser detido.” Seguidamente perguntei-lhe a que se dedicou depois de voltar do conflito ultramarino respondendo da seguinte maneira: “Eu recuperei às minhas custas, porque o Estado naquela altura não patrocinava nada. Depois de recuperar, voltei ao trabalho, voltei a namorar a tua avó e fui responsável pela manutenção da empresa Fábrica de Chocolates Avianense.

Sendo tempos mergulhados numa bipolarização política mundial, fiz a seguinte questão aos meus avós: “Consideram que conseguiam estar informados do que se passava no estrangeiro?”. A minha avó respondeu com um curto “não” e o meu avô com as seguintes palavras “Não, ninguém sabia nada. O pouco que sabíamos referia-se ao comunismo, sendo apontado como falso e ameaçando todos aqueles que soubessem de mais em relação a este assunto.” No entanto refere: “Ouvíamos uma rádio Moscovo na clandestinidade, escondidos no monte com rádios pequeninos por onde saíam notícias como o caso de Mário Soares que na altura promoveu uma marcha em Paris contra Salazar.”

Por estar mais informado politicamente perguntei ao meu avô que nome se destaca quando ouve falar da palavra liberdade? - respondendo da seguinte maneira: “Nomes que mais se destacavam nessa altura na política, eram de facto o de Álvaro Cunhal e Mário Soares. Porém, no meu caso, o General Spínola é aquele que mais carinho tem no meu coração, não só por ter sido o meu general na guerra, mas também por ter sido ele que me libertou no Ministério da Defesa logo após a minha detenção. Considero-o por isso o meu paizinho, um grande homem”

Perguntei a ambos como souberam da revolução de 25 de Abril e qual foi a reação que tiveram, tendo o meu avô respondido da seguinte maneira: “Vinha a caminho do trabalho a ouvir a rádio no carro e eram marchas militares em todo o lado e eu fiquei surpreendido com aquilo. Não havia música, não havia notícias, não havia nada. Só se falava de uma coisa. Cheguei ao trabalho e perguntei ao patrão o que se passava, este respondeu que a ditadura tinha caído. Eu fiquei feliz por me ter visto livre da canga que tinha em cima de mim.” A minha avó, respondendo de maneira mais curta, disse: “Eu estava em casa com os filhos a ouvir a rádio. Fiquei contente por nos termos visto livres da ditadura”.

Por fim coloquei a questão de qual a principal mudança que notaram no pós 25 de Abril, ao que o meu avô respondeu: “Fiquei logo livre. A PIDE e a Legião Portuguesa deixaram de ir lá a casa e deixaram de me controlar no trabalho a ver se eu estava a trabalhar. E depois, a luta que eu travava antes, concretizou-se, pois tudo aquilo a que eu tinha direito tornou-se meu, o caso do tal cartão. Tudo o que diz respeito às Forças Armadas, sejam direitos ou obrigações, dizem-me respeito a mim”. A minha avó, de forma mais hesitante, respondeu: “Eu como estava mais em casa fica-me difícil explicar qualquer coisa, mas a verdade é que após o 25 de Abril o ar tornou-se mais leve”.

Daniel Parente Turma 12ºF Nº:9

 *Sophia de Mello Breyner Andresen, poema "Hoje é a madrugada que eu esperava"

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