quarta-feira, 28 de abril de 2021

Onde estava no 25 de abril?

 
Os alunos do K.Leio responderam mais uma vez ao desafio da professora Fátima Lopes no âmbito da disciplina de História. Desta vez, entrevistaram familiares, vizinhos e conhecidos sobre esse dia em que "emergimos da noite e do silêncio"*

Entrevistadora: Carolina Moura Delgado Rocha, nº7, 12ºF

Entrevistada: Maria Freire Valente Lopes Pinto, 71 anos

P: Onde é que estava no dia 25 de Abril de 1974?

R: No dia 25 de Abril de 1974, estava na linda e progressiva cidade de Luanda, capital de Angola, a maior e mais rica colónia portuguesa em África, com uma área 14 vezes maior do que Portugal Continental.

P: Quantos anos tinha e que recordações guarda de antes do 25 de Abril?

R: Na altura tinha 24 anos. Eu nasci em Portugal, mas fui para Angola com 18 meses e as memórias que tenho da minha vida em Angola, para onde os meus pais emigraram em 1951, por causa da miséria que havia em Portugal, são memórias muito boas, de muita liberdade e vivência entre pessoas de várias raças, de muita cor e de muita felicidade.

P: Em que situação estava Angola, em termos de economia e política?

R: Naquela época, Angola, em termos de economia, era uma região muito próspera, embora a sua economia estivesse muito condicionada pelos interesses económicos da metrópole, como era designado Portugal. Era também condicionada pelas oscilações dos mercados externos, no caso das principais exportações - de diamantes, café e petróleo, nomeadamente. Havia, assim, muitos condicionamentos na política económica. Angola era uma colónia com muitas riquezas agrícolas e minerais, a agricultura e a pecuária eram já bastante exploradas naquela época. A progressão industrial e agrícola tinha um grande desenvolvimento, de tal maneira que as exportações do petróleo em Cabinda, em 1973, um ano antes da Revolução do 25 de Abril, representavam cerca de 30% das receitas de exportações desta colónia. Entre 1960 e 1973, a taxa de crescimento do PIB, em Angola, foi de 7% ao ano. Em termos de política, Angola seguia as orientações de Portugal, mas noutras formas mais atenuadas – havia mais liberdade de expressão, não havia racismo, havia muitas diferenças sociais. Por outro lado, é importante ter em atenção que a vida das populações mais pobres começou a mudar, a partir de meados de 1970, com a criação de várias melhorias na vida das pessoas, embora houvesse uma guerra colonial, em que Portugal sempre recusou negociar a independência de Angola. As melhorias na vida das pessoas, que mencionei anteriormente, têm a ver com a instalação de vários postos sanitários, espalhados pelas maiores aglomerações de população, que deram origem a que muitas das doenças tivessem sido praticamente extintas. Além disso, outra melhoria das vidas deveu-se à abertura de muitas estradas que fez com que os povos das aldeias pudessem comunicar livremente com as cidades e as vilas maiores. Foram abertas muitas estradas (e também pontes) e isso resultou, automaticamente, em mais acessibilidades.

P: Qual era a sua situação familiar e económica?

R: Em 25 de Abril de 1974, eu era empregada bancária, casada, com um filho de dois anos e quatro meses. O meu marido era funcionário da Companhia Nacional de Navegação. Não tínhamos casa própria, vivíamos numa casa alugada, éramos ambos empregados, mas tínhamos uma vida boa, embora não fôssemos ricos. Tínhamos carro, fazíamos muitas viagens dentro de Angola e tínhamos muitos sonhos para um futuro radiante e feliz, onde poderíamos criar os nossos filhos.

P: Recorda-se de como viveu o dia da Revolução?

R: Foi um dia em que toda a população, incluindo brancos, negros e mestiços, ficaram bastante apreensivos por não saber qual o rumo que Angola iria seguir. As previsões não se enganaram, não tardou a que o terror chegasse mesmo. Foi quando se deu uma Guerra Civil entre os vários partidos nacionalistas, todos ansiosos e ávidos por uma ganância do poder, auxiliados por outros países, todos eles com os olhos postos nas inúmeras riquezas de Angola.

R: Houve algo ou alguém que acabou por deixar para trás no dia 25 de Abril?

R: Naquele dia tive que deixar para trás os sonhos que tinha em viver num sítio quente, lindo e cheio de oportunidades para criar todos os meus herdeiros. Também, deixei para trás todos os lugares da minha infância, inclusive a casa que os meus pais construíram com tanto sacrifício e amor, que acabamos por perder por completo. Alguém que tive que deixar foi o meu pai que faleceu lá e está lá enterrado, mas felizmente consegui trazer o meu filho, o meu marido e a minha mãe.

P: Que efeitos gerais causou o 25 de Abril?

R: Falando em Angola, podemos relacionar este assunto à Guerra Civil, que deu origem a que houvesse uma guerra durante 27 anos, que foi mil vezes pior do que a guerra colonial que matou imensos angolanos e que resultou na miséria total porque foram destruídas todas as infraestruturas que foram deixadas pelos portugueses. Por isto, hoje Angola é considerada um país de miséria quando na verdade é um país tão rico. Falando em Portugal, sem dúvida que o 25 de Abril foi um benefício porque Portugal era um país muito pobre, apenas dominado por meia dúzia de famílias poderosas, que tinham suporte do próprio regime, e além disso não havia liberdades nenhumas – era uma ditadura muito grande, havia falta de liberdade de expressão, de reunião, de associação: a partir da Revolução do 25 de Abril, Portugal alcançou tudo isso. Também acabou com a guerra colonial, para onde eram enviados milhares de soldados e assim já não havia tanto gasto com as colónias. A acrescentar, o 25 de Abril abriu Portugal à Comunidade Internacional, porque Portugal estava completamente isolado do resto do mundo. Era regularmente condenado nas Nações Unidas e a partir do 25 de Abril passou a manter relações com vários países que até então não mantinha, como todos os países do Leste. Portugal ainda garantiu outro benefício porque, após a Revolução, foi obrigado a dar a independência a todas as colónias que mantinha em África e essas pessoas que lá viviam foram obrigadas a retornar a Portugal e foi quase meio milhão de pessoas que retornaram com experiência e vontade de trabalhar que conseguiu melhorar o próprio Portugal de então. Foi, inclusive, com a Revolução do 25 de Abril, que se abriu uma conjuntura propícia para o começo do interesse da entrada de Portugal na União Europeia, o que só se veio a concretizar em 1986.

P: Houve grandes mudanças na sua vida no pós-revolução?

R: Tendo regressado a Portugal, aquando da independência de Angola, em novembro de 1975, estando Portugal a passar por uma fase política muito complicada porque os governantes não se entendiam, fui para o Brasil em 1976, onde vivi durante oito anos, tendo tido lá o meu segundo filho.

P: Considera que o 25 de Abril acabou por ser favorável em algum ponto?

R: Considero que trouxe benefícios para os meus filhos que não tiveram que viver e nem vivem numa ditadura, mas para mim pessoalmente trouxe frustração porque eu não vivi todos aqueles sonhos que eu almejava viver noutro país completamente diferente de Portugal. Para Portugal, obviamente trouxe benefícios, porque o país está muito mais desenvolvido do que estaria se estivesse numa ditadura.

P: Qual foi o maior impacto que o 25 de Abril causou na sua vida?

R: Naquele momento, o 25 de Abril causou-me uma frustração imensa por ter de abandonar um sítio onde vivi durante 25 anos, que era Angola. Eu não conhecia mais nenhum sítio. Portugal, no tempo em que existiu em ditadura, era horrível para as pessoas, não havia esperança nenhuma de se poder viver bem em Portugal, era um país muito atrasado, de tal maneira que eu sempre ouvi, desde criança, os meus pais falarem mal da vida em Portugal, tanto que durante todos os 25 anos que estive em Angola eu nunca quis vir morar para Portugal. Por exemplo, quando eu trabalhava no setor bancário, eu tinha direito a licença graciosa que era uma benesse que os funcionários públicos e quem trabalhava em organismos privados, como a banca, tinham direito, ao fim de quatro anos de serviço. Eu tinha direto a vir passar férias a Portugal, tudo de graça, durante quatro meses, com vencimento garantido e tudo, e eu não quis vir a Portugal porque Portugal para mim não me dizia nada – eu não tinha cá familiares que conhecesse, os meus familiares estavam em Angola –, e desisti de vir passar essas férias a Portugal, recebi esse dinheiro do qual preferi usar para conhecer Angola, quase de lés-a-lés; fiz uma viagem de 3400km até ao deserto de Angola. Por isso, o que ficava na nossa mente naquela altura, relativamente a Portugal, era que Portugal era um país muito ruim de se viver, isto falado pelos meus pais. Eu só conheci Portugal com 25 anos, agora já cá estou há 38 anos. Consegui refazer a minha vida, consegui criar três filhos que hoje quase que não precisam de viver às custas do Estado Português e, à custa de muito suor e trabalho, consegui vencer na vida. Hoje, com a idade que tenho, costumo dizer na brincadeira que tenho quatro “erres”. Tenho o primeiro “R” em setembro de 1950, que vem de “racionamento”, que era uma senha, um carimbo que justificava a tua existência, para teres direito a um quilo de arroz, por exemplo; em 1961 tenho o segundo “R”, de “refugiada”, por causa da primeira revolta de Angola, eu fui refugiada da cidade onde vivia para Luanda, os meus pais viviam no norte de Angola numa fazenda – tivemos que abandonar tudo e estive num centro de refugiados durante 2 meses, onde havia mais de 600 pessoas; em 1975, depois da Revolução, fui obrigada a vir para Portugal como “retornada”, outro “R”; depois, com 66 anos, apareceu o meu último “R” de “reformada”. Tenho muito orgulho em dizer que sou retornada, porque tive uma retornada feliz a Portugal.

*Sophia de Mello Breyner Andresen, poema "Hoje é a madrugada que eu esperava"

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