quinta-feira, 23 de janeiro de 2020
Fala-me de Livros com Sérgio Carvalho
Apresentação do livro "A Vingança dos Sentidos" de Sérgio Carvalho, professor do nosso
agrupamento.
10 de dezembro 2019
agrupamento.
10 de dezembro 2019
No meu peito não cabem pássaros: interpretação e intertextualidade
No meu peito não cabem pássaros, Nuno Camarneiro
Interpretação da obra e intertextualidade
Fernando reconhece a cidade nos seus passos - “Habituou-se a medir as distâncias em passos para que o corpo as possa entender.” (CAMARNEIRO, 2011, p. 25), espreita e configura mentalmente a sua geografia, e procura entender a cidade que lhe será anfitriã.
Fernando é cercado do afeto e apego das tias, no entanto precisa também de se adaptar aos cheiros e austeridade da casa e à vida que se configurava nas ruas da cidade.
Após a sua chegada, agoniado por uma febre, Fernando recebe todo o tipo de tratamentos, no entanto dá-se conta que a sua febre está escondida no seu espírito, em desejos colados ao corpo, numa insatisfação ou incompletude que o transforma dia-a-dia, numa inquietude que representa a sua inabilidade em adaptar-se a nova vida.
Ele escrevia de maneira febril, quase obsessivamente sobre tudo, sobre o mundo que o cercava, sobre as pessoas, as coisas e sobre si mesmo. “No meu peito não cabem pássaros” (CAMARNEIRO, 2011, p. 36) é a descrição do sentimento, da sensação que Fernando tem na sua crise de febre, um incómodo constante, inquietante. Uma febre que, segundo o narrador não pode ser curada, mas tem de ser vivida, ao ponto que o deixa doido e lhe muda o rumo.
Fernando cura-se da febre, os pássaros do peito virariam os heterónimos, o corpo escreveria o que Lisboa lhe causara na alma, e a alma sopraria ao corpo o que dele pretendia: “Não há proteções eficazes contra as emoções cantadas e há quem fuja, quem enlouqueça e quem escreva poemas. Em Lisboa, entre as oito da manhã e as oito da noite, as cabeças enchem-se de eco e cada um faz o que sabe fazer.” (CAMARNEIRO, 2011, p. 46).
O Fernando Pessoa elaborado por Nuno Camarneiro é uma personagem a iniciar um percurso. O surgimento da vontade de escrita do jovem Fernando é o começo de todo um processo de multiplicidade e construção poética. Processo este que não só delimita a sua indiferença ao mundo externo, como também mantem a ideia da poesia como o esvaziamento do próprio espírito das diversas vozes que nele habitam.
As palavras passam a preencher-lhe o tempo e a preocupação, levam ao içar da sua multiplicidade inerente e à consequente criação dos heterónimos: “Todos deveríamos ter diferentes palavras para “eu”: o eu que eu sinto, o eu que tu vês, o eu que eu não sou.” (CAMARNEIRO, 2011, p. 50).
Mais tarde, Fernando precisa desenvencilhar-se dos móveis antigos da casa da tia, dos cheiros e da antiguidade do sangue para talvez na solidão se encontrar perdido no meio de tantos eus. Descobrindo-se assim uma personagem inconformada com o mundo mas também com as pessoas.
Ao pensarmos em Fernando Pessoa baseando-nos na sua biografia e no seu pertencimento histórico a um determinado local, absorver e transformar em personagem a sua aura de isolamento, a sua solidão e ao mesmo tempo toda a genialidade que o constituiu nunca será uma configuração exata da complexidade que realmente foi.
Tal como o próprio Fernando Pessoa em Textos Filosóficos diz: “Personalidade supõe complexidade” (1906).
Contudo, no livro “No meu peito já não cabem pássaros”, Fernando Pessoa é construído da melhor forma a partir da sua mais evidenciada peculiaridade da vida - a distinção.
Concluindo, numa narrativa onde a ficcionalidade aponta para a maneira como Fernando Pessoa compreendia o mundo em que viveu, a ficção de Camarneiro torna-se escrita de Pessoa; é uma flexão entre o real e o imaginário, numa construção efetiva e pluridimensional da figura ficcional que o poeta foi na sua própria existência, numa desconstrução e conseguinte reorganização da personalidade sempre enigmática de Pessoa.
12º D - Escola Secundária de Santa Maria Maior - 2019
Imagens da Leitura: No meu peito não cabem pássaros
Ilustrações a partir da obra "No meu peito não cabem pássaros" de Nuno Camarneiro. Pelos alunos do 12º E - Artes Visuais, no âmbito do projeto Ler para Ser Maior (aLer+).
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