quarta-feira, 26 de setembro de 2012

O teu rosto será o último


«Pousou a mão direita sobre o prato da balança e perguntou: «Mãe, quanto pesa a minha mão?»
         Haviam passado sete dias desde que começara a chover, mas graças aos telhados, aos beirais, aos algerozes, às sarjetas, às intrincadas redes de canais subterrâneos que formavam aquilo a que se costuma chamar saneamento básico, graças até à própria morfologia do bairro que antes de ser bairro havia sido apenas um monte, sete dias consecutivos a chover não tinham provocado danos materiais de registo.(…)
         «Ao sétimo dia, era sábado, e a mãe explicou-lhe que não era possível pesar a mão. Só se a separássemos do resto do corpo, o que não era boa ideia. Por isso, o que o ponteiro vermelho indicava não era o peso da mão, mas a força que ela estava a fazer.
         Ouvindo isto, Duarte fez força sobre o prato da balança, até o ponteiro dar quase uma volta completa, e perguntou à mãe se aquilo era muita força. A mãe respondeu que sim, que era muita força, que o seu filho lindo era muito forte. Depois, deu-lhe duas tabletes de chocolate e pediu-lhe para os partir aos pedacinhos, e para ir juntando os pedacinhos todos em cima do prato da balança, até o ponteiro chegar à marca dos trezentos gramas: «trezentos gramas é aqui.»
          Duarte cumpriu as indicações à risca e, a seguir, fez o mesmo com a manteiga: trezentos gramas de manteiga, trezentos gramas de açúcar.
         Perguntou: «Mãe, achas que a minha mão também pesa trezentos gramas?»
         A mãe segurou-lhe na mão e disse que talvez pesasse um bocadinho menos. Para aí uns cento e cinquenta ou duzentos gramas?»
         A mãe segurou-lhe na mão e disse que talvez pesasse um bocadinho menos. Para aí uns cento e cinquenta ou duzentos gramas. Largou-lhe a mão e deitou a manteiga e o açúcar para dentro de uma tupperware verde em forma de abóbada, e pediu-lhe que os misturasse.
         Duarte percebeu que era difícil misturar a manteiga e o açúcar, e pensou que talvez não fosse assim tão forte como a mãe dizia.
         Perante o seu momentâneo desânimo, a mãe encheu uma panela com água e deu-lhe nove ovos. Disse: «Põe os ovos, um a um, dentro de água, com cuidado para não se partirem. Os que forem ao fundo, estão bons, os que vierem ao de cima, estão estragados.»
        Duarte perguntou se não deveria ser ao contrário: os maus a irem ao fundo e os bons a nadarem.

     João Ricardo Pedro, O teu rosto será o último

 
 
João Ricardo Pedro estará à conversa com os leitores da MAIOR no dia 28 de setembro, pelas 15:10 horas, na biblioteca.
 




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