Muito bom dia, Sr. Elias. Desde já quero aproveitar para lhe agradecer a sua disponibilidade para esta pequena entrevista. Para iniciar, pode contar-nos como começou o seu dia 25 de abril de 1974?
Levantei-me normalmente e fiz a minha higiene pessoal. Após tomar o pequeno-almoço, despedi-me da minha mulher e segui para o trabalho. Para mim, era apenas mais um dia. Não sabia ainda o que vinha aí.
No caminho para o trabalho, notou algo de diferente, logo pela manhã?
Como trabalhava na Alameda, tinha de apanhar todos os dias o autocarro desde Moscavide, mas no caminho até à fábrica de estofos não notei nada de anormal a passar-se nas ruas. Tudo indicava que era apenas mais um dia de trabalho para toda a gente. Só quando cheguei ao trabalho é que me comecei a aperceber do que se estava a passar.
O que aconteceu quando chegou ao trabalho?
Logo que entrei na fábrica, alguns dos meus colegas já lá estavam, mas muito sobressaltados. Um deles pediu-me que ligasse a rádio, uma vez que no seu caminho até à Alameda tinha visto diversos militares e tanques na rua, nomeadamente no Terreiro do Paço, e todos, indignados, queriam saber o que se estava a passar. Logo que nos conectamos à frequência da Rádio Clube Português é que vimos que se estava a dar um golpe de Estado.
Quando ouviu a notícia, qual foi a sua reação e a dos seus colegas?
Todos ficamos com medo do que podia acontecer. Por exemplo, desencadear-se uma guerra civil entre as forças armadas (MFA) e as forças de segurança ainda fiéis ao Estado. Ninguém pensou, naquele momento, que o golpe sairia bem-sucedido. Alguns dos meus colegas regressaram a casa, outros saíram à rua para junto dos militares, quer por curiosidade, quer para ajudar no que pudessem, mas não sei até que ponto atrapalhavam o seu trabalho (risos). Poucos foram os que, como eu, ficaram a trabalhar.
O senhor decidiu ficar a trabalhar. Como correu o seu dia, consoante essa decisão?
Fui trabalhar para casa de um senhor na Avenida de Roma, para pôr cortinados e alcatifas. Em casa dele, a rádio esteve sempre ligada e nós íamos sempre conversando sobre as mais recentes notícias. Depressa percebi que o dono da casa era membro do Partido Socialista. Dizia sempre “A partir de hoje, vamos ter um governo socialista, oiça bem”. Quando descobriu que o golpe de Estado tinha corrido bem, ficou tão contente que ao pagar-me o serviço me deu uma gorjeta de 1000 escudos. Também eu fiquei muito agradecido (risos). Depois desse dia, ficámos grandes amigos e encontrávamo-nos muitas vezes para tomar um café/cerveja e conversar.
Quando o seu dia de trabalho terminou, ao voltar para casa, notou já diferenças na rua ou nas pessoas à sua volta?
Sim, muitas. Sabia que o Marcello Caetano já se tinha rendido e algumas forças armadas continuavam na rua a festejar, mas agora com cravos encarnados no cano da arma. Deu-me uma alegria imensa ver toda aquela cor e felicidade na cara das pessoas. No autocarro de volta para casa, festejavam uma revolução sem sangue, com ausência de feridos e mortos. Simultaneamente, o alívio que senti não foi completo, havia ainda muita incerteza acerca do próximo governo e do rumo que o país ia tomar.
Quando soube que o governo ditatorial tinha caído e que um novo ia tomar lugar, quais foram os seus pensamentos/expectativas?
Que estávamos a caminhar para a democracia. Logo a seguir ao governo provisório vieram as eleições, a primeira vez em toda a minha vida que votei. Senti-me muito importante, senti que estava a ajudar o meu país a seguir o caminho certo. O sentimento de ajudar a decidir o governo foi excelente, todas as pessoas na fila de voto sorriam e alegravam-se com a esperança de ter uma vida melhor dali para a frente.
Beatriz Simões, 12º F
*Sophia de Mello Breyner Andresen, poema "Esta é a madrugada que eu esperava"
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