quarta-feira, 28 de abril de 2021

Onde estava no 25 de abril?

 
Os alunos do K.Leio responderam mais uma vez ao desafio da professora Fátima Lopes no âmbito da disciplina de História. Desta vez, entrevistaram familiares, vizinhos e conhecidos sobre esse dia em que "emergimos da noite e do silêncio"*

Entrevista realizada por Beatriz Martins Ferreira, 12ºF, nº 4

Entrevistado: António Cândido de Costa, 73 anos

P: Qual era a sua idade no ano em que ocorreu a revolução de 25 de Abril?


R: No ano da revolução tinha, se bem me lembro, 27 anos.

P: Onde estava ou o que fazia nesta data?

R: Estava aqui, na cidade de Viana do Castelo, a trabalhar de empregado de mesa num restaurante e cervejaria situado na Avenida dos Combatentes.

P: Alguma vez sentiu medo de Salazar?

R: Não. Nunca senti medo de Salazar, mas havia uma coisa que ninguém tirava ao povo português, que era o respeito que toda uma nação sentia com o vibrar desse nome. Naquele tempo havia muito respeito não só a Salazar, mas também ao hino Nacional. Agora ouve-se o hino por tudo e por nada e antes não se experienciava isso, apenas no fecho da televisão Nacional, na RTP ou quando nos era transmitido algo sobre o governo. As pessoas levavam isto muito a sério porque a PIDE andava sempre infiltrada no meio do povo, às vezes eu parava e pensava que não podia confiar em ninguém, porque não conseguíamos distinguir os polícias políticos do restante povo.

P: Falou na Televisão. O que era mostrado ao país a partir desse meio de comunicação?

R: O que nos era mostrado era pouco ou quase nada.... Só víamos o que os mestres do governo queriam que nós víssemos. Na televisão eram-nos mostrados fados, touradas, teatros... tudo coisas que serviam apenas para deixar o povo entretido e confiante de que mais nada era necessário... Tudo aquilo que nos era mostrado não nos enriquecia, só tornava as nossas opiniões e atitudes mais monótonas e previsíveis. Notícias estrangeiras nunca entravam no país, ou seja, para além de não sabermos o que se passava cá dentro, também não eramos informados do que ocorria no exterior. O mesmo acontecia com a imprensa, todas as revistas ou jornais antes de ser lançados tinham de passar pela PIDE que aprovava ou não o que lá estava explicito e, caso não fosse aprovado, eles riscavam com uma esferográfica azul.

P: Alguma vez foi confrontado com a PIDE?

R: Nunca fui confrontado com a PIDE. Andei a ser seguido depois de vir da guerra do Ultramar porque o meu posto era radiotelegrafista e, como sabia comunicar por códigos maioritariamente o código morse e presumo que a Polícia Política me seguia para se assegurarem de que eu não usaria este conhecimento para uma ação contra o governo. Lembro-me que os radiografistas, durante 5 anos, não podiam sair do país sem uma autorização escrita e assinada pelo quartel de Viana do Castelo (VC9) pagávamos 5 escudos para ter essa senha. Ainda sobre a perseguição, ia todos os dias um indivíduo para a esplanada onde eu trabalhava e ao acabar o meu trabalho deslocava-me para a estação para poder regressar a casa e, na carruagem onde eu ficava o mesmo indivíduo estava lá presente, era constantemente seguido, de Cerveira a Viana e de Viana a Cerveira. Só soube que este fulano era agente da PIDE depois de dado o 25 de Abril, porque ele acabou por ser preso. Mas quando estive em Lisboa, a trabalhar numa padaria, tive um patrão que era agente da PIDE e um dia eu e um colega tínhamos de levar pão para outro posto de venda, mas como eram cestos muito grandes e pesados nós não conseguíamos levar e dissemos-lhe que não o íamos levar e ele respondeu-nos “Se vocês não o levarem, vou chamar a polícia! Porque o que você estão a fazer não passa de uma greve!” nós ainda retorquimos e dissemos que não e ele convicto afirmou em tom de ameaça, “Não! Ides, e ides já, porque eu sou da PIDE e já chamei a polícia”. Estes foram os únicos contactos que eu tive com os agentes.

P: Como soube que tinha havido uma revolução?

R: Só no dia seguinte. Ao ir para o trabalho é que soube que se tinha dado a revolução. Mas cá em Viana não se sentiu muito isso porque estava tudo totalmente vigiado e controlado pois, nesse período vinha cá o Américo Tomás devido a uma inauguração, então esse tema do 25 de Abril acabou por se sentir mais abafado.

P: Acha que a Revolução beneficiou Portugal?

R: Sim nuns aspetos, mas noutros talvez não... Um dos aspetos mais positivos foi a mudança drástica do conceito de liberdade. Antes uma pessoa vivia muito oprimida. Eu nunca senti muito essa opressão. A única coisa que senti foi a pressão drástica de quando tive de ir para Angola, mas o que se fazia sentir era um país amuralhado, um português não podia ir a qualquer lado porque não haviam tantos meios de transporte, tantos restaurantes... no fundo não eram dadas oportunidades de alcançar ou conhecer novos horizontes e a fome e pobreza que se faziam sentir, sendo dos maiores motivos da emigração do povo. A liberdade de expressão foi o que mais deixou as pessoas em alvoroço, poder finalmente dar uma opinião sem medo de um fim mais desastroso, com a liberdade de imprensa, a nação começou finalmente a ser alimentada com notícias não só do país, mas também do mundo. Em relação a questões políticas eu não posso dizer muito porque não me interessavam os movimentos realizados pelos mestres. De que me adiantava saber mais se eu não tinha liberdade para dizer que não estava de acordo com tal? Nada. Sempre fiz por não saber muito disso. Mas marca a liberdade como um benefício “mãe” do grande 25 de Abril.
*Sophia de Mello Breyner Andresen, poema "Hoje é a madrugada que eu esperava"

Sem comentários:

Enviar um comentário