quinta-feira, 9 de dezembro de 2021

Quatro Horas - Raquel Soares - 12º I

"Quatro Horas" foi um dos textos vencedores do Concurso de Escrita Era uma Vez..., dinamizado pela biblioteca escolar no âmbito da comemoração do Mês Internacional das Bibliotecas Escolares. É um conto da autoria da Raquel Soares do 12º I.

Era de madrugada e o tempo parecia ter estagnado. 

Um corpo no chão estendido, qual seria o seu nome? Ao lado, uma faca em repouso, como se descansasse após os cansativos e sucessivos golpes que causara. Envolto por estilhaços de vidro, um relógio que parara nas quatro horas.  

Passou exatamente um ano. Abro hoje novamente o arquivo, já coberto de poeira de três dias, enquanto penso onde fui buscar coragem para tal.  

- Quem terá sido o autor deste crime? – interrogo-me – E porquê?

As fotografias do local do crime perturbam-me. Começo a ouvir gritos agonizantes mal os meus olhos recaem sobre elas. 

- De onde estão a vir estes gritos? – questiono enquanto olho pela janela embaciada do meu escritório, ao tentar perceber a origem de tais barulhos – Estranho, não está ninguém lá fora… 

Há um ano surgira-me uma vontade de viajar para outro país. Agora que regressei, era a minha primeira hora oficial naquela casa, que só tinha sido pisada pelos meus pés e me conhecido como seu dono curiosamente no dia anterior ao crime. 

A noite inspira-me a sair, apesar do frio. Decido estudar o caso no local do crime – fica a cerca de dez minutos de minha casa -, na esperança de que isso me ajude de algum modo.

Contei os passos até lá: foram exatamente 1990 – coincidência ou não, é também o ano em que a vítima nascera.

- Este local não me é estranho… terei já vindo aqui alguma vez? 

Analiso o espaço em redor e avisto, distante, um segurança a fixar-me por entre umas grades, com um olhar desconcertante, olhar esse que, à medida que me ia aproximando dele, se enchia de uma raiva cada vez mais profunda.

- Boa noite, sou o inspetor aqui da…

- Não tenho tempo para conversas! – interrompeu – Além do mais, conversas consigo…

Com estas palavras, irrompeu pela porta da cabine e desapareceu.

«Que teria feito eu para ouvir tais palavras?» era o pensamento que se apoderava da minha cabeça no regresso a casa.

Acomodei-me no meu cadeirão, ainda a refletir sobre o que tinha acontecido.

Dirigi-me até à cozinha para preparar um café – a noite prometia ser longa.

- Como é bom regressar! – desabafo comigo próprio.

Paro a tentar lembrar-me o porquê de estar na cozinha.

- Pois é, o café!

O chiar da chaleira confundia-se já com os gritos que ainda ecoavam na minha cabeça desde que olhara para as fotografias.

Levanto a cabeça e reparo que o grande relógio de parede marcava quatro horas.

Para além de algum género de condição que me causa esquecimentos, tenho o hábito de certificar-me que está tudo no lugar. Esse é apenas um dos muitos hábitos que me atormentam o dia. Tento sempre achar um padrão matemático em tudo.

Ao abrir a gaveta dos talheres, apercebo-me da falta de um deles – uma caixa no canto da cozinha indicava que eram 20 talheres no total, e só lá estavam 19.

- Talvez o tenha perdido no dia das mudanças.

Volto ao caso, de chávena na mão, desta vez mais determinado a descobrir algum tipo de sentido.

- São quatro horas...

Fico em silêncio, à minha frente o espelho da sala de estar. De um momento para o outro, a chávena em cacos no chão, o espelho em mil pedaços de azar.

- Faço o café todos os dias por esta hora. Preciso de uma colher para o mexer. Abro a gaveta para a tirar e reparo que uma faca está em falta, há já um ano. A loiça por lavar, há já um ano. 1990 passos contados. Um segurança a julgar-me e a pouco colaborar. Deve ter presenciado tudo e receia o que lhe pode acontecer… Os gritos na minha cabeça, o local familiar… eram 20 talheres, foram 20 as facadas… A minha suposta viagem espontânea horas depois do crime… Tudo alinha perfeitamente, todos os meus lapsos de memória…  

Apago as luzes e debruço-me sobre a mesa.

É de madrugada e o tempo voltara a estagnar. 

Agora só oiço o bater do meu coração acelerado e gritos, desta vez gritos reais, os meus próprios gritos. 

Sinto dor e agonia pela primeira vez na minha vida.

- É isto que as vítimas sentem? A vida a escapar-lhes? Nada poderem fazer? Nada poderem controlar? – murmuro em soluços, ao mesmo tempo que seguro um pedaço do espelho e olho para a minha alma através dos meus olhos – ou a falta dela.

Tenho medo de mim e do que me vai acontecer. Tenho medo de lidar comigo dentro de um cubículo que me limita a liberdade por não sei quantos anos.

Fui eu o assassino.


Guerra de Palavras - Pedro Santos - 11º E

"Guerra de Palavras" foi um dos textos vencedores do Concurso de Escrita Era uma Vez..., dinamizado pela biblioteca escolar no âmbito da comemoração do Mês Internacional das Bibliotecas Escolares. É um conto da autoria do Pedro Santos do 11º E.

Mas afinal quem é mais importante?! Era uma vez… UMA GUERRA ENTRE PALAVRAS.

As classes de palavras estavam envolvidas numa grande discussão sobre qual de elas seria a mais importante. Bom... Na realidade, algumas classes não estavam nada interessadas nesta conversa. 

- Psiuuuuu! Silêncio! – Pediu a Interjeição.

- Estou contigo. Meu Deus! Que barulheira! – Sublinhou o Determinante.

Indiferentes a estes comentários, as restantes classes reclamavam o seu valor.

- Eu, Sim! Sou o mais importante porque sou único e até tenho honras de letra maiúscula! Pacífico, Pedro, Portugal…. Mais ainda, sou eu que dou às coisas, aos animais, aos sentimentos… um Nome. Se eu não existisse, como chamarias ao objeto onde te sentas e ao que sentes quando estás triste? 

- Pois, triste! Vê-se logo que precisam de mim! Sem o Adjetivo que seria do léxico?! Sem beleza, sem detalhe, sem brilho, sem cor, sem atributos… Tudo se resumiria a ti, Nome! E tu, sozinho, pouco dizes. O que é uma cadeira? Apenas uma cadeira. E se for uma cadeira grande, robusta, castanha e moderna? Tudo fica mais claro, não acham? 

- Pois tu, Nome, muito me deverias agradecer já que às vezes sou eu quem te substitui. - Argumentou o Pronome. - Tu nem sempre estás lá, mas eu sim. Acho até que trabalho mais do que tu, logo, sou mais importante. 

- Que ousadia a de palavrinhas tão sem importância! Uma letra, uma sílaba, duas… vá! – Ironizou o Nome com ar altivo.

- Não te esqueças que por detrás dessas palavrinhas estás tu, seu Nome ingrato! – Respondeu novamente o Pronome ofendido. 

- Sim, sim Pronome, tu és eu, mas em segunda mão! Sem a minha retaguarda, quem te entende e te reconhece? E também não precisas de aparecer sempre, ao contrário de mim! Um Nome é um Nome e ponto final! 

- Querem mesmo meter ao barulho a pontuação? – questionaram os Sinais de Pontuação em uníssono.

- Vês meu caro Nome? Olha lá os cinco pronomes que acabas de utilizar. Eu salpico as frases com discrição, mas, estou sempre lá. – Retorquiu o Pronome.

- A não ser quando eu te anulo, caro Pronome! Eu sou o Verbo e contenho em mim próprio taaaanta informação! Além disso, faço o mundo andar: para trás, para a frente... Sem mim, tudo era estático, monótono, parado e aborrecido. Eu é que vos faço a todos girar! E, mais uma vez, precisas de mim, no princípio, no meio ou no fim. Dar-me-ás assim razão?

- Alto aí, Sr. Pronome! – Irrompeu o Advérbio. O Verbo precisa é de mim. Guarda-te lá para o Nome, que do Verbo trato eu. Sou eu quem expõe o modo e as circunstâncias da ação. Eu sou o teu fiel braço direito. Sem mim, tu, Verbo, terias tão pouco valor! Já imaginaste se não estivesse presente? O teu sentido iria por água abaixo! Abaixo, ouviste bem? Abaixo!

- Agora sim disseste tudo Advérbio! Ora exatamente: por água abaixo. Já paraste para refletir que eu, Preposição, sou quem, embora muito discretamente, está presente em quase todas as frases da nossa língua portuguesa? Na minha ausência, a vocês, estimados companheiros lexicais, mesmo que em grande sintonia, ninguém vos compreenderia! Envolvo-me com outras classes e estas dependem de mim. Tenho tantas contrações e dou à luz tantas palavras! – Argumentou a Preposição. - Mas, como já sabem, não compactuo com discussões! Prefiro ausentar-me, para que, de uma vez por todas, percebam que todos nós importamos igualmente, no papel e no discurso! 

- Não podia estar mais de acordo, Preposição! – anuiu a Conjunção. - Assim, proponho que nos ausentemos juntas. Não estando eu, as orações vagueiam sozinhas, muitas vezes sem nexo ou significado algum! Logo, a minha importância é imensurável! Quero vos ver comunicar sem a minha presença! 

- Caros leitores, agradecemos que nos omitam da vossa leitura a partir de agora. – Pediram a Preposição e a Conjunção.

  - Assim que, estava eu, Advérbio, muito pomposamente, a enaltecer a minha magnificência, quando sou interrompido?! Agora não me recordo onde ia!  Ah?! Isto soou muito estranho! – Indagou.

- Calem-se ou tiro-vos o Nome a todos! – Ordenou o Nome enfurecido. - Podes ter sido interrompido Advérbio, mas o que tinhas a dizer não seria de grande importância com certeza. Sabes que eu sou o rei da variedade!  Possuo uma flexibilidade como mais ninguém!! Neste instante posso estar só, mas num ápice pluralizo-me!!  Sou também muito moderno pois mudo até de género!! Além disso sou extremamente vasto e nada finito. Afinal, todos os novos objetos e invenções precisam de um nome, verdade? – Concluiu. - O quê?! Não era bem isto que eu queria dizer... 

- Mas o que é que se está a passar afinal?! Que grande confusão! Ninguém consegue falar acertadamente!  Será pela ausência da Conjunção e da Preposição?! Bastou isso para causar tamanho caos? – perguntou o Adjetivo.

- Finalmente alguém sente a nossa falta! Lá se foram os ares de superioridade. – Responderam a Preposição e a Conjunção.

- Basta! Tinha dito que não me intrometeria, mas já não aguento mais tanta discussão. Arre! – Impacientou-se a Interjeição.

- Dez classes de palavras somos nós e todas somos muito importantes pois todas formamos esta frase para acabar com tremenda discussão, ufa! - Fez-se ouvir o Quantificador que estivera em silêncio até então. – Mas, já agora estimado Nome…, de valor e importância ou no que cabe a esse quesito, se a Ciência não me engana, sou, de todos, o mais infinito. E tenho dito!

E, antes que continuasse esta inútil discussão, ouviu-se uma forte pancada: Pum! Talvez uma outra batalha com um outro grupo de palavras.  


A Odisseia de Sebastião - Tomás Pinto - 10ºA

 "A Odisseia de Sebastião" foi um dos textos vencedores do Concurso de Escrita Era uma Vez..., dinamizado pela biblioteca escolar no âmbito da comemoração do Mês Internacional das Bibliotecas Escolares. É um conto da autoria do Tomás Pinto no 10º A.

Era uma vez um navegador chamado Sebastião, descendente de uma linhagem de homens do mar. Muitos diziam que o facto da sua mãe o ter dado à luz durante uma terrível tempestade fortaleceu o rapaz com o poder dos deuses. De facto, a criança não temia as águas como as outras, passando a maioria do seu tempo a observar os navios e marinheiros no porto da cidade.

Sebastião era curioso, procurava sempre saber mais sobre o mundo que o rodeava, e frequentemente questionava os seus mentores sobre temas que nem mesmo estes tinham resposta. Uma das suas dúvidas era o porquê de existir um fim no oceano que abrigaria os mais diversos monstros marinhos. Para ele, esta ideia era absurda, por isso dedicou a sua vida a provar o contrário.

Aos dezasseis anos, foi admitido como remador na tripulação do seu tio Capitão Albernaz, que conhecia os sete mares como a palma da sua mão, de quem herdou todos os seus conhecimentos marítimos, participando em várias viagens por todo o mundo.

Com a passagem do seu tio para o mundo das almas, herdou a sua frota o que lhe permitiu realizar a jornada que sempre sonhou. Começaram, então, os preparativos para esta travessia do fim do mar que seria a viagem mais aguardada de todos os tempos.

Nunca havia sido sequer imaginado algo dessa magnitude, portanto o dia da despedida reuniu uma imensa multidão, entre familiares e amigos que podiam nunca mais ver os seus navegadores. Apesar dos pedidos para ficarem, a tripulação não olhou para trás, embarcou e desapareceu no horizonte.

Durante os primeiros dias, o clima dentro dos navios era de festa, porém, na quinta noite, um temporal intimidador, fez com que o medo tomasse conta do ambiente, provocando completo caos. No meio de tanta desordem, marinheiros e navios inteiros foram engolidos pelas poderosas ondas, deixando poucos para contar a história. Entre eles encontrava-se Sebastião que, apesar de toda a devastação, defendeu que seria injusto para os que sacrificaram a vida se parassem tão cedo, prosseguindo-se com a missão.

Do Olimpo, observavam os deuses. Entre eles, Poseidon, rei dos mares, que preparava as procelas marinhas juntamente com Éolo, guardião dos ventos, para impedir os barcos de atingirem o seu território. Surpreendidos pela determinação dos marujos, adiaram a próxima tormenta e reuniram-se com o rei do Olimpo, Zeus, informando-o do ocorrido. Este ficou perplexo por alguém ter conseguido chegar tão longe e ordenou a presença de Sebastião.

Acima das nuvens, o capitão deparou-se com um imenso banquete, mas apenas dois lugares, um já ocupado por Zeus, que o convidou a sentar-se e a saborear a comida. Apesar de algum receio, fez o que lhe foi pedido. O deus dos deuses foi direto ao assunto, questionando o propósito de tal viagem, o navegador assumiu que procurava desmistificar as ideias sobre os limites do oceano e que pretendia ir mais além. Com uma gargalhada, Zeus declarou que transcender a fronteira marinha seria impossível para um mero mortal, mas que respeitava a sua bravura.

Prosseguiu com uma proposta a Sebastião: o homem e sua tripulação teriam que enfrentar uma besta aquática. Se vencessem, poderiam regressar a casa e a borda do mar seria aumentada, revelando novas terras. No entanto, se fracassassem, as suas almas seriam entregues ao rei do submundo, Hades, e a sua terra natal seria inundada. Mesmo com alguma apreensão, o comandante encarou o desafio.

O seu inimigo seria Caríbdis, um monstro de voracidade extrema que era capaz de provocar turbilhões colossais apenas com o seu movimento, protetor da passagem oceânica para o território divino. As suas capacidades eram lendárias.

Ao amanhecer, deu-se início ao confronto, que foi presenciado por todo o Olimpo. Rapidamente, o bicho investiu contra a frota, mas a agilidade dos marujos permitiu-lhes desviar o ataque. Sebastião percebeu, então, que a única possibilidade de vencerem a criatura seria se todas as embarcações navegassem diretamente para a sua boca, provocando a sua sufocação.

O capitão ordenou o avanço dos navios em direção à besta que não se intimidou pelo ataque, expandindo a mandíbula para os devorar numa dentada só, contudo não foi capaz de o fazer. Por mais que Caríbdis se revirasse e tentasse expelir os barcos, a sua sorte era inevitável, acabando por ser derrotada.

Na praia, todos celebraram a vitória dos mortais, exceto Zeus e Hades que ficaram desiludidos pela má prestação do monstro. Os marinheiros, eufóricos, comemoraram também a sua incrível façanha, ansiosos pelo regresso a casa e o reencontro com as suas famílias, que viria a acontecer uns dias mais tarde.

Sebastião e toda a tripulação, passaram a ser venerados como heróis em toda a parte. No final, a coragem e persistência de um homem que sempre defendeu aquilo em que acreditava foi o suficiente para que este ultrapassasse algo que à primeira vista seria impossível, vivendo uma fabulosa odisseia que dificilmente será esquecida, entre deuses e mortais.