domingo, 25 de abril de 2021

Onde estava no 25 de abril?

 
Os alunos do K.Leio responderam mais uma vez ao desafio da professora Fátima Lopes no âmbito da disciplina de História. Desta vez, entrevistaram familiares, vizinhos e conhecidos sobre esse dia em que "emergimos da noite e do silêncio"*

Entrevistada: Maria de Fátima Viana, 82 anos.

1.Como era o seu modo de vida antes da revolução? O seu dia-a-dia, relação com a família…


O meu modo de vida era simples. Durante a semana, fazia tarefas de casa, bordava e deslocava-me muitas vezes ao monte, para recolher lenha ou levar o gado, por exemplo. Como não tínhamos acesso a máquinas era tudo feito de forma manual, o que se tornava bastante exaustivo. As minhas refeições eram muito simples, uma vez que o estado económico não permitia mais. Só aos domingos é que comíamos carne e sobremesas eram muito raras, sendo apenas feitas em ocasiões especiais como a Páscoa ou o Natal.

2. Quando era criança frequentou a escola? Como foi a sua infância?

Só frequentei a primeira classe. A minha infância foi cansativa, passava os dias a trabalhar para quintas de outros proprietários ou a bordar. Utilizava estas tarefas para tentar brincar sempre que podia, porque raramente tinha essa oportunidade.

3. Começou a trabalhar com que idade e onde?

Com 10 anos já bordava e ia para o campo. Fazia serões a bordar e durante o dia trabalhava tanto nas propriedades da minha família, como também em outras quintas. Para além disto, fazia outros pequenos trabalhos que incluíam limpeza ou lavoura (que, no tempo, era levar o jornal).

4. Trabalhava por vontade própria?

Trabalhava porque era uma necessidade, era a única forma de conseguir sustentar a família e de ter acesso aos mínimos produtos alimentares e às mínimas condições de vida.

5. Como eram os relacionamentos entre as pessoas?

Tinha muitos amigos. Aos domingos saíamos, íamos passar as nossas tardes no rio e juntávamo-nos para ir a festas todos juntos. No entanto, os pais eram restritos, então estes encontros de amigos eram, por vezes, raros. Também me casei muito cedo, aos 20 anos e, com a mesma idade já tinha 2 filhos. Depois disso, tive mais 13 filhos.

6. Tendo em conta que na altura Salazar era o chefe de estado, sentia alguma pressão por parte do regime? Sentia-se privada ou limitada?

Sentia alguma pressão, e tínhamos sempre cuidado com o que se falava sobre política naquela época, uma vez que era frequente a presença de autoridades da PIDE que exerciam controlo sobre as pessoas. No entanto, sinto que não tinha muito contacto com a comunicação (uma vez que só tinha acesso à rádio) e tal facto pode ter permitido a omissão de informação acerca do estado atual do governo.

Mesmo vivendo num sítio relativamente pequeno, sabia-se da presença, embora não abundante, de algumas autoridades da polícia política. Isso fazia com que me sentisse mais alerta e com medo, sendo cuidadosa com todos os meus atos.

7. Como era o seu estado económico?

Era uma situação económica frágil. Tinha sempre de trabalhar arduamente para conseguir sustentar e ter até os mínimos produtos alimentares. Eu e a minha família passamos muitas dificuldades. Grande parte dos alimentos consumidos eram divididos em mínimas partes, uma vez que éramos muitos a viver na mesma casa, com pouco dinheiro.

8. Como descreve essa época da sua vida?

Eram, de certa forma, tempos de escravidão, de muita fome e trabalho árduo. Passava todos os meus dias a trabalhar.

Sobre o 25 de abril

9. Quantos anos tinha no dia 25 de abril?

36 anos.

10. Onde estava no dia 25 de abril de 1984? Como soube que houve uma revolução?

No dia da revolução encontrava-me na cidade, numa consulta. Soube da revolução quando, de repente, houve grande exaltação por parte das pessoas na cidade (que corriam, algumas entusiasmadas, outras assustadas). A abundância de polícias nas ruas e o grande número de aviões a sobrevoar o céu foram também elementos que me fizeram perceber que algo tinha acontecido.

11. Como se sentiu ao ver as notícias sobre a revolução?

Perante toda a confusão, inicialmente senti medo de que esta nova situação viesse a revelar-se pior que a anterior. Quando tudo acalmou e consegui mais calmamente saber mais informação acerca desta revolução, senti esperança de novos e melhores dias.

12. Como passou a ser a sua vida depois do 25 de abril? Sentiu mudanças fortes?

No início, essencialmente a mesma. As condições de vida melhoraram ligeiramente, mas não senti mudanças muito fortes no meu quotidiano. Porém, a longo prazo comecei a notar mais mudanças, boas mudanças. Havia mais empregos, os salários eram mais altos, as pessoas já não tinham tanto medo de simplesmente andar nas ruas e isso refletiu-se na nossa qualidade de vida.

13. O que faz agora, mas que antes da revolução não fazia?

Acho que o aspeto mais marcante são as minhas liberdades. Posso expressar as minhas opiniões mais livremente sem medo de sofrer algum tipo de repressão.

14. Qual a maior diferença entre essa época e a que vivemos agora?
Agora é muito melhor. Existe uma maior disponibilidade económica, temos mais liberdades cívicas, a censura desapareceu. Para além disto, as pessoas têm mentes mais abertas, existem menos tabus e sente-se a própria liberdade de diversas formas.

*Sophia de Mello Breyner Andresen, poema "Hoje é a madrugada que eu esperava"


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