sexta-feira, 30 de abril de 2021

Onde estava no 25 de abril?

 
Os alunos do K.Leio responderam mais uma vez ao desafio da professora Fátima Lopes no âmbito da disciplina de História. Desta vez, entrevistaram familiares, vizinhos e conhecidos sobre esse dia em que "emergimos da noite e do silêncio"*

Entrevistado: Álvaro Abreu

Entrevistador: Pedro Pipa

Onde estava no dia 25 de Abril? Do que se lembra desse dia?


Estava no Porto e lembro-me muito bem. Eu estava a cumprir o serviço militar na altura e tinha vindo a casa dormir. Acordei de manhã, aliás, fui acordado pela minha mãe a dizer que tinha ouvido na rádio que estava em curso um golpe militar, imediatamente vesti-me e fui para o hospital militar. As pessoas estavam diferentes na rua, eu rapidamente saí do hospital militar e vim para a baixa. Estava cheia de gente, algumas com cravos vermelhos na lapela, toda a gente queria saber notícias, se aquilo ia para a frente, se ia correr bem e se o golpe militar ia ter êxito. Havia uma sensação muito grande de liberdade e finalmente podíamos falar e manifestar-nos. Foi um dia extremamente importante e de uma grande alegria. Eu era muito novo, tinha 22 anos na altura. Aliás, eu estava à espera que houvesse um golpe militar, porque a nível militar sabia-se, nós lá dentro sabíamos que se estava a passar alguma coisa contra o regime e que ia haver um golpe militar. Tinha havido algumas manifestações por parte de alguns militares, o Costa Gomes, o Spínola, que tinha feito um livro que era o “Portugal e o Futuro” que atacava o regime, portanto, falava-se lá dentro que estava em preparação alguma coisa. Aliás já no dia 16 de março, teria havido uma tentativa de golpe que foi o Levantamento das Caldas e eu estava na altura em Lisboa e percebi isso, portanto aquilo não me apanhou muito de surpresa, eu estava a contar com aquilo, não sabia é que ia ser naquele dia.

Sentia que as pessoas tinham noção da ditadura em que viviam? Acha que as pessoas se apercebiam dos atos de censura?

Toda a gente tinha a noção de que vivíamos em ditadura, toda a gente sabia que não havia partidos políticos e que eles não eram permitidos, se havia eram clandestinos. Ouvia-se falar no Partido Comunista, que era um partido que vivia em clandestinidade, não havia eleições, havia umas farsas em que só votavam as pessoas que eram escolhidas e que o regime permitia, não havia liberdade de expressão, as pessoas não podiam falar, não se podiam manifestar, contra a guerra colonial ou contra o regime porque se fossem ouvidas por quem andava à escuta, os informadores da PIDE, que eram popularmente conhecidos por bufos, e se as pessoas fossem ouvidas iam ser incomodadas, a PIDE levava-as e interrogava-as para saber se estavam ligadas ao Partido Comunista ou se estavam ligados a alguma coisa que pusesse em causa o regime. Toda a gente sabia que havia censura, que tudo o que se ouvia era filtrado pela censura, as notícias nos jornais, na televisão, tudo era previamente revisto pela censura e só saía aquilo que eles queriam. Nós só ouvíamos aquilo que a censura queria.

Teve algum problema ou conheceu alguém que tivesse tido problemas com a PIDE?

Eu pessoalmente não tive, mas ouvia falar de muita gente que sabia que era presa pela PIDE.

Para já havia uma sensação de medo, toda a gente tinha medo, sabia-se que existiam bufos, havia informação sobre alguns que se sabia que eram e tínhamos medo de ser escutados, de falar, porque podíamos vir a ser incomodados, toda a gente tinha medo.

Conheci um barbeiro que era frequentemente preso, ouvia falar de uma sujeita que era muito conhecida no Porto, que era a engenheira Virgínia de Moura, que era frequentemente presa, a PIDE ia lá a casa, levava-os e eles desapareciam durante um tempo e eram muitas vezes incomodados. E falava-se de alguns pides, sabia-se que aquele e aquela eram pides, aquele e aquela eram informadores, portanto toda a gente sabia ou tinha conhecimento de pessoas que já tinham sido incomodadas pela PIDE.

Tem ideia de quem eram as pessoas mais conscientes daquilo que se passava em Portugal, do exercício da censura, da privação das liberdades, e de quem queria uma mudança de regime?

Sim, de uma maneira geral toda a gente sabia mais ou menos daquilo que já te disse. Sabia da existência da PIDE, da existência da censura, sabia que as pessoas eram incomodadas e toda a gente tinha noção disso. Eu não conhecia ninguém que não tivesse conhecimento sobre isso. Mas havia com certeza aqueles que estavam muito mais informados, que eram os mais indignados e que procuravam ter acesso a livros proibidos, a leituras de documentos proibidos. De vez em quando apareciam umas coisas pintadas na rua, nas paredes, as pichagens que de noite punham ou mesmo até panfletos. Havia sempre estes mais indignados que chegavam a ouvir emissões de rádio que eram emitidas no estrangeiro por portugueses que tinham fugido e que denunciavam pela rádio as irregularidades, o que se passava em Portugal, a guerra colonial, até denunciavam e indicavam que empregados de café, por exemplo, eram informadores da PIDE. Portanto havia na verdade pessoas que estavam muito mais informadas e, digamos, que se indignavam. Havia aqueles que lutavam contra o regime e que estavam ligados ao Partido Comunista, eu conheci alguns, e que lutavam mesmo contra o regime, alguns desapareceram, deixei de os ver, ou porque passaram para a clandestinidade ou porque foram presos, já não sei bem. Mas na verdade havia os que estavam mais informados, aqueles que se indignavam e procuravam, porque de uma maneira geral as pessoas tinham medo e, portanto, até tinham medo de saber e de ter conhecimento porque até isso poderia levar a que fossem ou que viessem a ser incomodados, depois havia aqueles que queriam mesmo lutar contra o regime e deitá-lo abaixo e que se organizavam, o Partido Comunista e noutras organizações, até na religião. A própria igreja católica tinha organizações que, de certa maneira, eram contra o regime, e que eram vigiadas pela PIDE, de vez em quando eles apareciam para saber o que é que eles estavam a dizer lá nas reuniões deles porque eles suspeitavam que estavam, digamos, a pronunciar-se, ou contra o regime ou contra a guerra colonial. Havia de facto, a todos os níveis, eu até conheci um padre, que foi meu professor de religião e moral no liceu e na escola, o padre Mário Pais, padre da Lixa, que foi preso e depois julgado, inclusivamente, que lutava contra o regime e era padre. Havia de facto pessoas que eram corajosas. O próprio bispo do Porto, D. António, que acabou por ter que se exilar porque ele manifestava-se contra o Salazar e teve que se exilar para o estrangeiro. Havia de facto pessoas que eram mais conscientes e indignadas e que não tinham medo de se assumir, publicamente, contra o regime, algumas até se organizavam mesmo contra o regime. O Partido Comunista, particularmente, penso que era aquele que na verdade, já desde décadas vinha a lutar contra o regime. Depois apareceu, perto do 25 de Abril, o partido Socialista, mas era sobretudo o Partido Comunista, esses eram na verdade as pessoas mais conscientes daquilo que se passava.

Como é que as pessoas viam a guerra colonial?

Ninguém sentia que aquilo fosse nosso. Isto no contacto que eu tinha, havia com certeza quem estivesse a favor. Mas a grande maioria era contra a guerra colonial e era pela independência das ex-colónias, para além da guerra colonial ter sido um drama, pelos mortos e também porque alguns não morreram, mas ficaram muito feridos e ficaram com cicatrizes graves da guerra. Havia quem fugisse, fugiam para o estrangeiro para não irem para a tropa, para não terem depois que ser mobilizados para irem combater na guerra colonial, portanto, de uma maneira geral, as pessoas eram contra a guerra colonial. Aliás, tinha-se a noção de que internacionalmente, Portugal estava isolado, portanto, no geral, era toda a gente contra Portugal, estávamos a fazer uma guerra perfeitamente injusta e a oprimir povos que eram os povos nativos.

Tinha a noção de que a oposição regime, ao fascismo, aumentava?

Ela foi aumentando.

Eu conhecia pessoas que eram ligadas ao Partido Comunista, portanto eu sabia que ela existia e que existia cada vez mais. Ia-se sentindo essa oposição a vários níveis, na rua, por exemplo, havia sempre, no 1º de Maio, manifestações e aparecia a PIDE e a polícia na rua, no dia 31 de janeiro, uma data célebre também no Porto, em que aparecia a PIDE e havia pessoas que se manifestavam. Falava-se muito contra o regime e cada vez mais e havia iniciativas públicas que eram aproveitadas para se manifestarem contra o regime. Uma delas era a Queima das Fitas, curiosamente. Na Queima das Fitas era muito comum haver manifestações contra o regime. E aparecia a Pide e prendia estudantes que se estavam a manifestar. E eu lembro-me que fui com um amigo uma vez que andava na Queima das Fitas, eu andava no liceu e ele foi preso. A Pide prendeu-o. Na verdade, sentia-se constantemente essa oposição, sentia-se popularmente, no meio do povo, mas ela provavelmente era reflexo da atividade política, particularmente do Partido Comunista porque era a mais importante e que era a temida pelo regime porque se havia mais alguma, fazia-lhes cócegas, não os incomodava, quem os incomodava e lhes fazia medo era o Partido Comunista. Sabia-se que ele existia e que conseguia através dos seus militantes que ninguém sabia quem eram porque eles eram clandestinos, ou andavam muito escondidos, mas conseguiam-se organizar e organizar as pessoas. Isto particularmente aqui no norte, porque houve mais para Sul, hoje sabe-se que houve greves, houve na Marinha Grande, havia no Alentejo manifestações em que houve mortos inclusivamente, Catarina Eufémia, etc, a gente sabe isso hoje, na altura não se sabia, não era possível saber, só alguns saberiam, a maioria não sabia. Mas sentia-se, sentia-se que havia oposição e que as pessoas sabiam que mais tarde ou mais cedo isto havia de cair, e caiu mesmo no dia 25 de Abril de 74.

Tinha alguma ideia do que se passava fora do país? Tinha ideia de como era diferente a vida em países da Europa como a França ou a Alemanha?

Sim, sabia-se, através dos emigrantes, aqueles que fugiam, ia-se sabendo, tinha-se notícias, as pessoas sabiam que a vida lá era completamente diferente, porque os próprios turistas que apareciam aqui, eu conheci alguns, até em Viana conheci uns franceses, contavam que havia partidos, as pessoas podiam falar, nós tínhamos a noção de que vivíamos numa ditadura, aqui sabíamos aonde, aqui e em Espanha também, com o Franco, mas que havia países, e tinha-se a noção, sobretudo no norte da Europa, que eram países livres, havia muita gente que fugia para lá, particularmente quem queria fugir do serviço militar, era muito comum fugirem para os países nórdicos, onde eram melhor recebidos. Aqueles que fugiam para ir trabalhar, fugiam para França, duma maneira geral. E havia informações a partir dessas pessoas que essas vidas eram completamente diferentes, eram sociedades completamente diferentes, as pessoas podiam falar, podiam-se manifestar, havia eleições, havia partidos, isso sabia-se claro.

E acha que se não fosse por essas pessoas conseguia saber alguma coisa?

Era muito mais difícil, de uma maneira ou de outra essas coisas iam-se sabendo, havia quem soubesse melhor, outros não sabiam, ou sabiam muito pouco. Também é preciso perceber que nas grandes cidades havia um relacionamento com um maior número de pessoas, particularmente com o estrangeiro, com turistas e conheciam pessoas que tinham estado lá fora, estavam muito mais bem informadas, é evidente que se tu começavas a ir para o interior, para aqueles cidades e para aquelas regiões agrícolas, as pessoas tinham muito pouca informação, sabiam muito pouco, onde havia os chamados caciques, aqueles que dominavam o comportamento e o pensamento das pessoas. Onde a Igreja também teve aí um papel importante, em apoio ao regime, porque lhes interessava isso.

Comparando o antes e o depois da revolução de Abril, quais foram as principais mudanças que observou?

As mudanças foram enormes. Para começar a sensação, a sensação de quem viveu o antes, o durante e o depois, foi uma sensação fantástica, uma sensação de liberdade, parecia que estávamos a viver num sítio completamente diferente, o ar era diferente, o ar que se respirava. As pessoas andavam à vontade, não precisavam de olhar para trás, nem para o lado a ver quem é que as estava a ouvir, as pessoas tinham mesmo a necessidade de se manifestar e dar a sua opinião sobre as coisas. Completamente diferente. A forma como se vivia ou se passou a viver. Passou-se a viver muito mais rápido, os acontecimentos eram muitos e até de uma forma descontrolada, às vezes. Vivia-se muito rapidamente, parecia que o tempo tinha acelerado. Foi um período extremamente interessante e continua a ser hoje em dia, apesar de tudo. Não tem comparação nenhuma o tempo que nós vivemos hoje com o tempo que se vivia antes, é impensável. Hoje, apesar de tudo, porque já existem hoje em dia alguns resquícios de censuras e coisas assim do género, em que já há quem queira que só sejam ouvidos aqueles que lhes convém e os outros são pouco ouvidos ou, pelo menos, não permitem que eles sejam tão ouvidos. Mas apesar de tudo há liberdade, há partidos, há eleições, as pessoas podem manifestar-se, dizer o que pensam. Mas é muito diferente, vive-se de uma forma completamente diferente, não tem comparação. Além do mais as injustiças sociais, que ainda hoje existem, mas incomparavelmente muito menos do que existiam antigamente. Antigamente havia um grupo de pessoas a quem tudo era permitido, e tudo tinham, e tudo podiam fazer e havia os outros que só faziam aquilo que eles queriam e viviam muito mal. E de facto a qualidade de vida melhorou imenso, apesar de não ser ainda grande coisa, se compararmos com os restantes países da Europa, mas comparando com aquilo que foi a forma como se vivia antes do 25 de Abril é incomparavelmente melhor, há muito menos pobreza, apesar de ainda existir e muito, era muitíssimo maior.

Foi destacado para a guerra?

Eu não fui porque houve o 25 de Abril se não teria sido, provavelmente. Aquilo era muito difícil não ser, quase toda a gente ia lá parar. Eu lembro-me que dizia na altura que, evacuados da guerra colonial eram cerca de 60 por semana, evacuados eram mortos ou feridos, o que era muita gente. Aquilo era uma desgraça completa. A juventude, os homens, sobretudo, porque eram eles que iam à guerra, tinham essa parte da vida completamente amputada, e alguns ficaram mesmo, definitivamente, ou porque morriam lá ou porque ficaram feridos, outros vieram com sequelas psicológicas horríveis, os traumas de guerra eram coisas horríveis. Eu conheci alguns, que se atiravam para o chão na rua, às vezes, ao mínimo ruído atiravam-se para o chão, era comum isso acontecer, houve uma altura em que se via muito isso. Foi terrível…

*Sophia de Mello Breyner Andresen, poema "Hoje é a madrugada que eu esperava"

Onde estava no 25 de abril?

 
Os alunos do K.Leio responderam mais uma vez ao desafio da professora Fátima Lopes no âmbito da disciplina de História. Desta vez, entrevistaram familiares, vizinhos e conhecidos sobre esse dia em que "emergimos da noite e do silêncio"*

Entrevista realizada por. Íris Lima Alves, 12ºF, nº13
Entrevistado: Agostinho Ferreira Alves, 70 anos.

1. Onde estava no 25 de abril?

No dia 25 de Abril, entre 1973 e 1975, estive em Vila Paiva de Andrade, em Moçambique, colónia pertencente ao ultramar português (uma divisão administrativa criada pelo Estado Novo para promover um rápido desenvolvimento social, cultural e económico das colónias), a fazer uma missão como paraquedista no B.C.P.31 (Batalhão Caçadores Paraquedistas 31 do quartel general em Moçambique) na defesa das colónias devido a uma guerra de subversão. Os povos estavam revoltados e queriam a sua independência e terminar com o Estado Novo.
No período do Estado Novo, estive em Subportela, Viana do Castelo, mas trabalhava em Tancos, antes de ir para Moçambique no quartel general R.C.P. TANCOS, ou seja, Regimento de Caçadores Paraquedistas de Tancos, atualmente B.E.T.P.- Base Escola de Tropas Paraquedistas.

2. Alguma vez foi confrontado pela PIDE?

Convivi com a PIDE, a PIDE fazia parte do sistema militar, mas nunca fui confrontado quanto a ser da oposição ou ter ideias contrárias à ideologia do Estado. Conheci Cantoneiros, que carregavam uma lata com um caderno e um lápis para anotar coisas interessantes para informar a PIDE e tinham a possibilidade de poder multar o povo por pequenas infrações, conheci Regedores e a minha família tinha amizades com o Padre e o Presidente da Junta de Freguesia de Subportela. 
O meu pai mantinha amizade com o Padre e um dia foi chamado para ir à Igreja e este o avisou-o sobre um dos filhos dele, o Manel, por não cumprir as ordens; ele não ia a missa e aconselhou-o a que tomasse alguma atitude quanto a isso, para não ser extraditado para a Costa de África, ou até o pior podia acontecer. 
Aí sim eu notei quem eram os bufos da freguesia, eles davam a informação de todos à polícia.



3. Considera que a Revolução de Abril trouxe liberdade à população e ao país?

Ao país, sim, a juventude deixou de ir para a guerra. 
Quanto às colónias, a descolonização não foi bem feita. Não foi dada a liberdade aos povos das colónias, mas sim aos grandes povos como a Rússia, a China e a América. 
Foi retirado a liberdade aos Retornados, estes construíram uma vida nas colónias e devido à descolonização, foram mandados de volta para o país, deixando tudo para trás. 
A luta pela liberdade foi bem feita, mas não foi concluída e esse foi o grande erro: a liberdade das colónias não foi dada ao povo, mas sim às potências, e as colónias até hoje permanecem sem liberdade. Acabou por piorar, o povo começou a ser mais oprimido, escravizado e subjugado pelas grandes potências. 

4. Lembra-se do que acontece aos presos políticos a seguir a revolução?

Eu conheci um preso político aqui de Vila Franca, o nome dele era Liquito e o mesmo afirmava-se como um da oposição, um anti PIDE, ele revoltava-se, proclamava-se e opunha-se ao regime. Uma noite fui informado que ele foi levado pela PIDE e a partir daí nunca mais o vi. 
Toda a gente conhecia o nome de Mário Soares e de Álvaro Cunhal, alguns dos presos políticos mais conhecidos foram soltos após o 25 de Abril. 
O que o 25 de Abril trouxe de melhor foi a liberdade política, por isso que passamos de uma ditadura fascista para uma democracia. 

5. Do que se apercebe, a Revolução do 25 de Abril teve algum impacto no estrangeiro?

Teve sim, nos próprios fugitivos do regime por exemplo, que fugiram a salto. 
Inclusive, lembro-me de uma história que aconteceu comigo onde eu tive a oportunidade de sair daqui, eu tive uma oportunidade para fugir ao regime. Poucos dias antes de eu ir para a tropa, apareceu uma pessoa na casa dos meus pais e disse assim: Agostinho, eu levo-te de borla, não te levo dinheiro algum e levo te para a França, deixa esses e não vás para a guerra. A minha resposta final foi não, eu disse-lhe que ia cumprir a minha missão. 
Sim, eu podia ter fugido ao regime, à guerra e ter ido para a França, a salto, e ganhar dinheiro como aconteceu com a maioria dos meus amigos, que atualmente andam por aí em liberdade. Senão acontecesse a revolução do 25 de Abril, ainda hoje não podiam pôr cá os pés, essa gente que fugiu à tropa, nem em Portugal estariam.

6. O que mudou em Portugal após o 25 de abril?

Em Portugal, toda a gente notou uma forte mudança, uma mudança tecnológica a todo nível. 
A mudança de regime fez uma abertura com outros países que estavam mais desenvolvidos, permitindo que Portugal se deixasse desenvolver com as tecnologias. A evolução tecnológica em Portugal após o 25 de Abril cresceu, graças ao intercâmbio de tecnologia com outros países também democráticos, Portugal abriu-se ao mundo devido à mudança política.

*Sophia de Mello Breyner Andresen, poema "Hoje é a madrugada que eu esperava"

quinta-feira, 29 de abril de 2021

Onde estava no 25 de abril?

 
Os alunos do K.Leio responderam mais uma vez ao desafio da professora Fátima Lopes no âmbito da disciplina de História. Desta vez, entrevistaram familiares, vizinhos e conhecidos sobre esse dia em que "emergimos da noite e do silêncio"*

O 25 de Abril de 1974 foi um dia marcante para todos os que o experienciaram das mais diversas formas, principalmente para aqueles que já haviam atingido a idade adulta e conheciam o regime que findava.

Para tentar perceber como foram afetados os meus avós maternos, comecei por lhes perguntar onde estavam no dia 25 de Abril de 1974?- tendo o meu avô respondido: “Levantei-me cedo, como sempre, e fui trabalhar. Havia uma avaria num portão. O patrão, Zé Lima, chegou cedo falando de umas marchas militares e por isso lhe perguntei pelo que se passava. Diz ele - Há um golpe de estado. Eu, sendo contra o governo, disse - Até que enfim! Olhou-me com olhos de quem me queria matar.” A resposta da minha avó foi mais hesitante dizendo apenas que “Estava em casa a tomar conta dos filhos quando ouvi a notícia pela rádio”.

Após afirmar que era “contra o governo” questionei o meu avô da seguinte forma “Foste destacado para a guerra Ultramar?”, tendo respondido sem hesitação: “Em abril de 1967 fui obrigado a assentar praça para o serviço militar obrigatório. Fiz recruta em Braga, tirei a especialidade em Tomar e aguardei embarque em Santa Margarida. Daí parti para Lisboa e embarquei num navio (Uige) como se fosse carne para canhão. Fui levado até à Guiné onde, contra a minha vontade, participei na guerra e fui gravemente ferido em combate. Ferimentos esses que levaram à perda de órgãos e fiquei deficiente militar para o resto da vida.”.

A questão seguinte foi direcionada para a minha avó, “Após o destacamento para a guerra, qual foi o sentimento que prevaleceu?”. Ela respondeu: “Fiquei triste, já namorávamos há quase três anos. Muitas saudades. Antes de partir ofereci-lhe um fio de ouro com uma medalhinha, para que Nossa Senhora o protegesse na guerra. Deu-se o caso de ser ferido, deixando ficar lá a medalhinha e regressando apenas o fio. Ele veio ferido para a metrópole e esteve internado no Hospital da Estrela mais de um ano. Tinha uma perna ao alto, toda queimada, um braço partido ao peito e cheio de operações por causa dos estilhaços. Familiares e amigos encorajaram-me para o deixar, dizendo que ele não tinha coração, que não se ia safar.” Perguntei-lhe ainda se “Durante o tempo em que o avô esteve na guerra, conseguia receber informações dele? Como?” dizendo: “O correio era por meio de cartas ou de aerogramas e escrevia-lhe todos os dias uma carta, pois demorava muito tempo a chegar”

Avô, após voltar da guerra, a ideia que tinha sobre o Governo manteve-se? Respondendo vigorosamente: “A ideia que tinha do governo era péssima, porque era uma ditadura que ninguém podia dizer nada, não podia lutar pelos direitos, não podia nada. Andei a ser perseguido pela PIDE, por precisamente lutar pelos meus direitos. E foi por isso que a minha reação em frente ao patrão foi aquela, porque estava finalmente livre de ser perseguido”. Perguntei-lhe por sua vez “O que fizeste para ser perseguido?” ao que respondeu: “Exigia os meus direitos, aquilo a que tinha direito. Foi o caso de um cartão que me dava direito ao transporte na via férrea, aérea, tinha direito a um juro mais barato na construção de habitação própria e tinha direito a adquirir uma viatura sem ter que pagar qualquer tipo de imposto. E isso estava apenas escrito em papel, não saía cá para fora. Havia meninos bonitos que, com ofertas a determinados oficiais no Ministério da Defesa, conseguiam adquirir esse documento. Eu, caí na asneira de no Ministério da Defesa dizer isso, onde por sua vez os oficiais queriam a todo o risco que eu dissesse quem foi a pessoa que me informou de tal coisa. Eu recusei várias vezes até que acabei por ser detido.” Seguidamente perguntei-lhe a que se dedicou depois de voltar do conflito ultramarino respondendo da seguinte maneira: “Eu recuperei às minhas custas, porque o Estado naquela altura não patrocinava nada. Depois de recuperar, voltei ao trabalho, voltei a namorar a tua avó e fui responsável pela manutenção da empresa Fábrica de Chocolates Avianense.

Sendo tempos mergulhados numa bipolarização política mundial, fiz a seguinte questão aos meus avós: “Consideram que conseguiam estar informados do que se passava no estrangeiro?”. A minha avó respondeu com um curto “não” e o meu avô com as seguintes palavras “Não, ninguém sabia nada. O pouco que sabíamos referia-se ao comunismo, sendo apontado como falso e ameaçando todos aqueles que soubessem de mais em relação a este assunto.” No entanto refere: “Ouvíamos uma rádio Moscovo na clandestinidade, escondidos no monte com rádios pequeninos por onde saíam notícias como o caso de Mário Soares que na altura promoveu uma marcha em Paris contra Salazar.”

Por estar mais informado politicamente perguntei ao meu avô que nome se destaca quando ouve falar da palavra liberdade? - respondendo da seguinte maneira: “Nomes que mais se destacavam nessa altura na política, eram de facto o de Álvaro Cunhal e Mário Soares. Porém, no meu caso, o General Spínola é aquele que mais carinho tem no meu coração, não só por ter sido o meu general na guerra, mas também por ter sido ele que me libertou no Ministério da Defesa logo após a minha detenção. Considero-o por isso o meu paizinho, um grande homem”

Perguntei a ambos como souberam da revolução de 25 de Abril e qual foi a reação que tiveram, tendo o meu avô respondido da seguinte maneira: “Vinha a caminho do trabalho a ouvir a rádio no carro e eram marchas militares em todo o lado e eu fiquei surpreendido com aquilo. Não havia música, não havia notícias, não havia nada. Só se falava de uma coisa. Cheguei ao trabalho e perguntei ao patrão o que se passava, este respondeu que a ditadura tinha caído. Eu fiquei feliz por me ter visto livre da canga que tinha em cima de mim.” A minha avó, respondendo de maneira mais curta, disse: “Eu estava em casa com os filhos a ouvir a rádio. Fiquei contente por nos termos visto livres da ditadura”.

Por fim coloquei a questão de qual a principal mudança que notaram no pós 25 de Abril, ao que o meu avô respondeu: “Fiquei logo livre. A PIDE e a Legião Portuguesa deixaram de ir lá a casa e deixaram de me controlar no trabalho a ver se eu estava a trabalhar. E depois, a luta que eu travava antes, concretizou-se, pois tudo aquilo a que eu tinha direito tornou-se meu, o caso do tal cartão. Tudo o que diz respeito às Forças Armadas, sejam direitos ou obrigações, dizem-me respeito a mim”. A minha avó, de forma mais hesitante, respondeu: “Eu como estava mais em casa fica-me difícil explicar qualquer coisa, mas a verdade é que após o 25 de Abril o ar tornou-se mais leve”.

Daniel Parente Turma 12ºF Nº:9

 *Sophia de Mello Breyner Andresen, poema "Hoje é a madrugada que eu esperava"

Onde estava no 25 de abril?

 
Os alunos do K.Leio responderam mais uma vez ao desafio da professora Fátima Lopes no âmbito da disciplina de História. Desta vez, entrevistaram familiares, vizinhos e conhecidos sobre esse dia em que "emergimos da noite e do silêncio"*

P. Lembras-te de algum dia marcante do ano 1974?

R: É difícil não me lembrar do 25 de Abril, por muito que estivesse emigrada em França com o teu avô, tocou-nos a nós também pois tínhamos nos nossos planos voltar para Portugal.

P. Que idade tinhas e onde estavas?

R: Estava prestes a fazer 30 anos e, como disse, estava em França.

P. Disseste que estavas em França, como soubeste da notícia?

R: No meu tempo lá trabalhei para a “Madame Minare”, tomava conta da sua casa. Era uma ótima empregada doméstica, a minha patroa costumava-me dizer que nunca a sua casa tinha estado tão limpa e asseada (risos). Mas enfim, como te estava a dizer, chegava todos os dias a horinhas, acordava sempre às seis e meia da manhã para apanhar “le bus” às sete e meia e chegar às oito da manhã certas. Enquanto trabalhava ouvia sempre uma rádio portuguesa que existia em Paris, gostava de estar a par das notícias e gostava principalmente da minha música portuguesa (também era a única que sabia cantar direito). Como não tinha tempo para televisão, lá teria de me entreter com a rádio. Ainda me lembro, estava eu a passar a ferro quando a música que estava a passar foi interrompida. Foi assim que descobri a notícia. Ao final do dia, quando regressei a casa, só tive tempo de pousar as minhas coisas e corri logo para casa do meu irmão, que vivia no prédio atrás do nosso, para ver se passava alguma notícia na televisão dele.

P O que significou para ti esta revolução?

R: Quando estávamos cá vivíamos mal, tínhamos pouco, por muito que trabalhássemos ganhávamos pouco e tudo por causa do governo da altura. E quando eu e o teu avô fomos para França, não fomos com a ideia de ficar lá para sempre. Fomos com o objetivo de ter uma vida melhor para conseguir comprar um terreno para construir uma casa e para construir também uma família. A revolução de 25 de Abril só fez com que ficássemos mais certos de voltar para Portugal e claro que mais felizes, não só por nós, também pela família que tínhamos cá.

P. E para Portugal, o que achas que significou esta data?

R: Significou liberdade, principalmente a liberdade de expressão. As pessoas começaram a poder falar sem medo de quem pudesse estar a ouvir, se bem que ainda houvesse muita gente com receio; os jornais começaram a publicar as notícias por inteiro, sem censura; já não havia livros proibidos nem cartas que fossem abertas e revistadas. Para não falar dos salários que também melhoraram imenso. Não duvido que tenha sido uma mais valia para o país.  

P. Que imagens passadas na televisão te marcaram mais?

R: Os cravos e as espingardas, sem dúvida.

P. Olhando para trás, terias regressado a Portugal se a ditadura não tivesse sido derrubada?

R: Tal como te disse, eu e o avô nunca quisemos fazer uma vida em França, por isso penso que sim. Mas claro que ter sido derrubada nos deixou mais positivos em relação ao nosso futuro.

Catarina, 12º F

*Sophia de Mello Breyner Andresen, poema "Hoje é a madrugada que eu esperava"

quarta-feira, 28 de abril de 2021

Onde estava no 25 de abril?

 
Os alunos do K.Leio responderam mais uma vez ao desafio da professora Fátima Lopes no âmbito da disciplina de História. Desta vez, entrevistaram familiares, vizinhos e conhecidos sobre esse dia em que "emergimos da noite e do silêncio"*

Entrevista realizada por Beatriz Martins Ferreira, 12ºF, nº 4

Entrevistado: António Cândido de Costa, 73 anos

P: Qual era a sua idade no ano em que ocorreu a revolução de 25 de Abril?


R: No ano da revolução tinha, se bem me lembro, 27 anos.

P: Onde estava ou o que fazia nesta data?

R: Estava aqui, na cidade de Viana do Castelo, a trabalhar de empregado de mesa num restaurante e cervejaria situado na Avenida dos Combatentes.

P: Alguma vez sentiu medo de Salazar?

R: Não. Nunca senti medo de Salazar, mas havia uma coisa que ninguém tirava ao povo português, que era o respeito que toda uma nação sentia com o vibrar desse nome. Naquele tempo havia muito respeito não só a Salazar, mas também ao hino Nacional. Agora ouve-se o hino por tudo e por nada e antes não se experienciava isso, apenas no fecho da televisão Nacional, na RTP ou quando nos era transmitido algo sobre o governo. As pessoas levavam isto muito a sério porque a PIDE andava sempre infiltrada no meio do povo, às vezes eu parava e pensava que não podia confiar em ninguém, porque não conseguíamos distinguir os polícias políticos do restante povo.

P: Falou na Televisão. O que era mostrado ao país a partir desse meio de comunicação?

R: O que nos era mostrado era pouco ou quase nada.... Só víamos o que os mestres do governo queriam que nós víssemos. Na televisão eram-nos mostrados fados, touradas, teatros... tudo coisas que serviam apenas para deixar o povo entretido e confiante de que mais nada era necessário... Tudo aquilo que nos era mostrado não nos enriquecia, só tornava as nossas opiniões e atitudes mais monótonas e previsíveis. Notícias estrangeiras nunca entravam no país, ou seja, para além de não sabermos o que se passava cá dentro, também não eramos informados do que ocorria no exterior. O mesmo acontecia com a imprensa, todas as revistas ou jornais antes de ser lançados tinham de passar pela PIDE que aprovava ou não o que lá estava explicito e, caso não fosse aprovado, eles riscavam com uma esferográfica azul.

P: Alguma vez foi confrontado com a PIDE?

R: Nunca fui confrontado com a PIDE. Andei a ser seguido depois de vir da guerra do Ultramar porque o meu posto era radiotelegrafista e, como sabia comunicar por códigos maioritariamente o código morse e presumo que a Polícia Política me seguia para se assegurarem de que eu não usaria este conhecimento para uma ação contra o governo. Lembro-me que os radiografistas, durante 5 anos, não podiam sair do país sem uma autorização escrita e assinada pelo quartel de Viana do Castelo (VC9) pagávamos 5 escudos para ter essa senha. Ainda sobre a perseguição, ia todos os dias um indivíduo para a esplanada onde eu trabalhava e ao acabar o meu trabalho deslocava-me para a estação para poder regressar a casa e, na carruagem onde eu ficava o mesmo indivíduo estava lá presente, era constantemente seguido, de Cerveira a Viana e de Viana a Cerveira. Só soube que este fulano era agente da PIDE depois de dado o 25 de Abril, porque ele acabou por ser preso. Mas quando estive em Lisboa, a trabalhar numa padaria, tive um patrão que era agente da PIDE e um dia eu e um colega tínhamos de levar pão para outro posto de venda, mas como eram cestos muito grandes e pesados nós não conseguíamos levar e dissemos-lhe que não o íamos levar e ele respondeu-nos “Se vocês não o levarem, vou chamar a polícia! Porque o que você estão a fazer não passa de uma greve!” nós ainda retorquimos e dissemos que não e ele convicto afirmou em tom de ameaça, “Não! Ides, e ides já, porque eu sou da PIDE e já chamei a polícia”. Estes foram os únicos contactos que eu tive com os agentes.

P: Como soube que tinha havido uma revolução?

R: Só no dia seguinte. Ao ir para o trabalho é que soube que se tinha dado a revolução. Mas cá em Viana não se sentiu muito isso porque estava tudo totalmente vigiado e controlado pois, nesse período vinha cá o Américo Tomás devido a uma inauguração, então esse tema do 25 de Abril acabou por se sentir mais abafado.

P: Acha que a Revolução beneficiou Portugal?

R: Sim nuns aspetos, mas noutros talvez não... Um dos aspetos mais positivos foi a mudança drástica do conceito de liberdade. Antes uma pessoa vivia muito oprimida. Eu nunca senti muito essa opressão. A única coisa que senti foi a pressão drástica de quando tive de ir para Angola, mas o que se fazia sentir era um país amuralhado, um português não podia ir a qualquer lado porque não haviam tantos meios de transporte, tantos restaurantes... no fundo não eram dadas oportunidades de alcançar ou conhecer novos horizontes e a fome e pobreza que se faziam sentir, sendo dos maiores motivos da emigração do povo. A liberdade de expressão foi o que mais deixou as pessoas em alvoroço, poder finalmente dar uma opinião sem medo de um fim mais desastroso, com a liberdade de imprensa, a nação começou finalmente a ser alimentada com notícias não só do país, mas também do mundo. Em relação a questões políticas eu não posso dizer muito porque não me interessavam os movimentos realizados pelos mestres. De que me adiantava saber mais se eu não tinha liberdade para dizer que não estava de acordo com tal? Nada. Sempre fiz por não saber muito disso. Mas marca a liberdade como um benefício “mãe” do grande 25 de Abril.
*Sophia de Mello Breyner Andresen, poema "Hoje é a madrugada que eu esperava"

Onde estavas no 25 de abril?

 
Os alunos do K.Leio responderam mais uma vez ao desafio da professora Fátima Lopes no âmbito da disciplina de História. Desta vez, entrevistaram familiares, vizinhos e conhecidos sobre esse dia em que "emergimos da noite e do silêncio"*

Entrevista realizada por Beatriz Martins Ferreira, 12ºF, nº 4

Entrevistado: António Cândido de Costa, 73 anos

P: Qual era a sua idade no ano em que ocorreu a revolução de 25 de Abril?

R: No ano da revolução tinha, se bem me lembro, 27 anos.

P: Onde estava ou o que fazia nesta data?

R: Estava aqui, na cidade de Viana do Castelo, a trabalhar de empregado de mesa num restaurante e cervejaria situado na Avenida dos Combatentes.

P: Alguma vez sentiu medo de Salazar?

R: Não. Nunca senti medo de Salazar, mas havia uma coisa que ninguém tirava ao povo português, que era o respeito que toda uma nação sentia com o vibrar desse nome. Naquele tempo havia muito respeito não só a Salazar, mas também ao hino Nacional. Agora ouve-se o hino por tudo e por nada e antes não se experienciava isso, apenas no fecho da televisão Nacional, na RTP ou quando nos era transmitido algo sobre o governo. As pessoas levavam isto muito a sério porque a PIDE andava sempre infiltrada no meio do povo, às vezes eu parava e pensava que não podia confiar em ninguém, porque não conseguíamos distinguir os polícias políticos do restante povo.

P: Falou na Televisão. O que era mostrado ao país a partir desse meio de comunicação?

R: O que nos era mostrado era pouco ou quase nada.... Só víamos o que os mestres do governo queriam que nós víssemos. Na televisão eram-nos mostrados fados, touradas, teatros... tudo coisas que serviam apenas para deixar o povo entretido e confiante de que mais nada era necessário... Tudo aquilo que nos era mostrado não nos enriquecia, só tornava as nossas opiniões e atitudes mais monótonas e previsíveis. Notícias estrangeiras nunca entravam no país, ou seja, para além de não sabermos o que se passava cá dentro, também não eramos informados do que ocorria no exterior. O mesmo acontecia com a imprensa, todas as revistas ou jornais antes de ser lançados tinham de passar pela PIDE que aprovava ou não o que lá estava explicito e, caso não fosse aprovado, eles riscavam com uma esferográfica azul.

P: Alguma vez foi confrontado com a PIDE?

R: Nunca fui confrontado com a PIDE. Andei a ser seguido depois de vir da guerra do Ultramar porque o meu posto era radiotelegrafista e, como sabia comunicar por códigos maioritariamente o código morse e presumo que a Polícia Política me seguia para se assegurarem de que eu não usaria este conhecimento para uma ação contra o governo. Lembro-me que os radiografistas, durante 5 anos, não podiam sair do país sem uma autorização escrita e assinada pelo quartel de Viana do Castelo (VC9) pagávamos 5 escudos para ter essa senha. Ainda sobre a perseguição, ia todos os dias um indivíduo para a esplanada onde eu trabalhava e ao acabar o meu trabalho deslocava-me para a estação para poder regressar a casa e, na carruagem onde eu ficava o mesmo indivíduo estava lá presente, era constantemente seguido, de Cerveira a Viana e de Viana a Cerveira. Só soube que este fulano era agente da PIDE depois de dado o 25 de Abril, porque ele acabou por ser preso. Mas quando estive em lisboa, a trabalhar numa padaria, tive um patrão que era agente da PIDE e um dia eu e um colega tínhamos de levar pão para outro posto de venda, mas como eram cestos muito grandes e pesados nós não conseguíamos levar e dissemos-lhe que não o íamos levar e ele respondeu-nos “Se vocês não o levarem, vou chamar a polícia! Porque o que você estão a fazer não passa de uma greve!” nós ainda retorquimos e dissemos que não e ele convicto afirmou em tom de ameaça, “Não! Ides, e ides já, porque eu sou da PIDE e já chamei a polícia”. Estes foram os únicos contactos que eu tive com os agentes.

P: Como soube que tinha havido uma revolução?

R: Só no dia seguinte. Ao ir para o trabalho é que soube que se tinha dado a revolução. Mas cá em Viana não se sentiu muito isso porque estava tudo totalmente vigiado e controlado pois, nesse período vinha cá o Américo Tomás devido a uma inauguração, então esse tema do 25 de Abril acabou por se sentir mais abafado.

P: Acha que a Revolução beneficiou Portugal?

R: Sim nuns aspetos, mas noutros talvez não... Um dos aspetos mais positivos foi a mudança drástica do conceito de liberdade. Antes uma pessoa vivia muito oprimida. Eu nunca senti muito essa opressão. A única coisa que senti foi a pressão drástica de quando tive de ir para Angola, mas o que se fazia sentir era um país amuralhado, um português não podia ir a qualquer lado porque não haviam tantos meios de transporte, tantos restaurantes... no fundo não eram dadas oportunidades de alcançar ou conhecer novos horizontes e a fome e pobreza que se faziam sentir, sendo dos maiores motivos da emigração do povo. A liberdade de expressão foi o que mais deixou as pessoas em alvoroço, poder finalmente dar uma opinião sem medo de um fim mais desastroso, com a liberdade de imprensa, a nação começou finalmente a ser alimentada com notícias não só do país, mas também do mundo. Em relação a questões políticas eu não posso dizer muito porque não me interessavam os movimentos realizados pelos mestres. De que me adiantava saber mais se eu não tinha liberdade para dizer que não estava de acordo com tal? Nada. Sempre fiz por não saber muito disso. Mas marca a liberdade como um benefício “mãe” do grande 25 de Abril.

 *Sophia de Mello Breyner Andresen, poema "Hoje é a madrugada que eu esperava"


Onde estava no 25 de abril?

 
Os alunos do K.Leio responderam mais uma vez ao desafio da professora Fátima Lopes no âmbito da disciplina de História. Desta vez, entrevistaram familiares, vizinhos e conhecidos sobre esse dia em que "emergimos da noite e do silêncio"*

Entrevistadora: Carolina Moura Delgado Rocha, nº7, 12ºF

Entrevistada: Maria Freire Valente Lopes Pinto, 71 anos

P: Onde é que estava no dia 25 de Abril de 1974?

R: No dia 25 de Abril de 1974, estava na linda e progressiva cidade de Luanda, capital de Angola, a maior e mais rica colónia portuguesa em África, com uma área 14 vezes maior do que Portugal Continental.

P: Quantos anos tinha e que recordações guarda de antes do 25 de Abril?

R: Na altura tinha 24 anos. Eu nasci em Portugal, mas fui para Angola com 18 meses e as memórias que tenho da minha vida em Angola, para onde os meus pais emigraram em 1951, por causa da miséria que havia em Portugal, são memórias muito boas, de muita liberdade e vivência entre pessoas de várias raças, de muita cor e de muita felicidade.

P: Em que situação estava Angola, em termos de economia e política?

R: Naquela época, Angola, em termos de economia, era uma região muito próspera, embora a sua economia estivesse muito condicionada pelos interesses económicos da metrópole, como era designado Portugal. Era também condicionada pelas oscilações dos mercados externos, no caso das principais exportações - de diamantes, café e petróleo, nomeadamente. Havia, assim, muitos condicionamentos na política económica. Angola era uma colónia com muitas riquezas agrícolas e minerais, a agricultura e a pecuária eram já bastante exploradas naquela época. A progressão industrial e agrícola tinha um grande desenvolvimento, de tal maneira que as exportações do petróleo em Cabinda, em 1973, um ano antes da Revolução do 25 de Abril, representavam cerca de 30% das receitas de exportações desta colónia. Entre 1960 e 1973, a taxa de crescimento do PIB, em Angola, foi de 7% ao ano. Em termos de política, Angola seguia as orientações de Portugal, mas noutras formas mais atenuadas – havia mais liberdade de expressão, não havia racismo, havia muitas diferenças sociais. Por outro lado, é importante ter em atenção que a vida das populações mais pobres começou a mudar, a partir de meados de 1970, com a criação de várias melhorias na vida das pessoas, embora houvesse uma guerra colonial, em que Portugal sempre recusou negociar a independência de Angola. As melhorias na vida das pessoas, que mencionei anteriormente, têm a ver com a instalação de vários postos sanitários, espalhados pelas maiores aglomerações de população, que deram origem a que muitas das doenças tivessem sido praticamente extintas. Além disso, outra melhoria das vidas deveu-se à abertura de muitas estradas que fez com que os povos das aldeias pudessem comunicar livremente com as cidades e as vilas maiores. Foram abertas muitas estradas (e também pontes) e isso resultou, automaticamente, em mais acessibilidades.

P: Qual era a sua situação familiar e económica?

R: Em 25 de Abril de 1974, eu era empregada bancária, casada, com um filho de dois anos e quatro meses. O meu marido era funcionário da Companhia Nacional de Navegação. Não tínhamos casa própria, vivíamos numa casa alugada, éramos ambos empregados, mas tínhamos uma vida boa, embora não fôssemos ricos. Tínhamos carro, fazíamos muitas viagens dentro de Angola e tínhamos muitos sonhos para um futuro radiante e feliz, onde poderíamos criar os nossos filhos.

P: Recorda-se de como viveu o dia da Revolução?

R: Foi um dia em que toda a população, incluindo brancos, negros e mestiços, ficaram bastante apreensivos por não saber qual o rumo que Angola iria seguir. As previsões não se enganaram, não tardou a que o terror chegasse mesmo. Foi quando se deu uma Guerra Civil entre os vários partidos nacionalistas, todos ansiosos e ávidos por uma ganância do poder, auxiliados por outros países, todos eles com os olhos postos nas inúmeras riquezas de Angola.

R: Houve algo ou alguém que acabou por deixar para trás no dia 25 de Abril?

R: Naquele dia tive que deixar para trás os sonhos que tinha em viver num sítio quente, lindo e cheio de oportunidades para criar todos os meus herdeiros. Também, deixei para trás todos os lugares da minha infância, inclusive a casa que os meus pais construíram com tanto sacrifício e amor, que acabamos por perder por completo. Alguém que tive que deixar foi o meu pai que faleceu lá e está lá enterrado, mas felizmente consegui trazer o meu filho, o meu marido e a minha mãe.

P: Que efeitos gerais causou o 25 de Abril?

R: Falando em Angola, podemos relacionar este assunto à Guerra Civil, que deu origem a que houvesse uma guerra durante 27 anos, que foi mil vezes pior do que a guerra colonial que matou imensos angolanos e que resultou na miséria total porque foram destruídas todas as infraestruturas que foram deixadas pelos portugueses. Por isto, hoje Angola é considerada um país de miséria quando na verdade é um país tão rico. Falando em Portugal, sem dúvida que o 25 de Abril foi um benefício porque Portugal era um país muito pobre, apenas dominado por meia dúzia de famílias poderosas, que tinham suporte do próprio regime, e além disso não havia liberdades nenhumas – era uma ditadura muito grande, havia falta de liberdade de expressão, de reunião, de associação: a partir da Revolução do 25 de Abril, Portugal alcançou tudo isso. Também acabou com a guerra colonial, para onde eram enviados milhares de soldados e assim já não havia tanto gasto com as colónias. A acrescentar, o 25 de Abril abriu Portugal à Comunidade Internacional, porque Portugal estava completamente isolado do resto do mundo. Era regularmente condenado nas Nações Unidas e a partir do 25 de Abril passou a manter relações com vários países que até então não mantinha, como todos os países do Leste. Portugal ainda garantiu outro benefício porque, após a Revolução, foi obrigado a dar a independência a todas as colónias que mantinha em África e essas pessoas que lá viviam foram obrigadas a retornar a Portugal e foi quase meio milhão de pessoas que retornaram com experiência e vontade de trabalhar que conseguiu melhorar o próprio Portugal de então. Foi, inclusive, com a Revolução do 25 de Abril, que se abriu uma conjuntura propícia para o começo do interesse da entrada de Portugal na União Europeia, o que só se veio a concretizar em 1986.

P: Houve grandes mudanças na sua vida no pós-revolução?

R: Tendo regressado a Portugal, aquando da independência de Angola, em novembro de 1975, estando Portugal a passar por uma fase política muito complicada porque os governantes não se entendiam, fui para o Brasil em 1976, onde vivi durante oito anos, tendo tido lá o meu segundo filho.

P: Considera que o 25 de Abril acabou por ser favorável em algum ponto?

R: Considero que trouxe benefícios para os meus filhos que não tiveram que viver e nem vivem numa ditadura, mas para mim pessoalmente trouxe frustração porque eu não vivi todos aqueles sonhos que eu almejava viver noutro país completamente diferente de Portugal. Para Portugal, obviamente trouxe benefícios, porque o país está muito mais desenvolvido do que estaria se estivesse numa ditadura.

P: Qual foi o maior impacto que o 25 de Abril causou na sua vida?

R: Naquele momento, o 25 de Abril causou-me uma frustração imensa por ter de abandonar um sítio onde vivi durante 25 anos, que era Angola. Eu não conhecia mais nenhum sítio. Portugal, no tempo em que existiu em ditadura, era horrível para as pessoas, não havia esperança nenhuma de se poder viver bem em Portugal, era um país muito atrasado, de tal maneira que eu sempre ouvi, desde criança, os meus pais falarem mal da vida em Portugal, tanto que durante todos os 25 anos que estive em Angola eu nunca quis vir morar para Portugal. Por exemplo, quando eu trabalhava no setor bancário, eu tinha direito a licença graciosa que era uma benesse que os funcionários públicos e quem trabalhava em organismos privados, como a banca, tinham direito, ao fim de quatro anos de serviço. Eu tinha direto a vir passar férias a Portugal, tudo de graça, durante quatro meses, com vencimento garantido e tudo, e eu não quis vir a Portugal porque Portugal para mim não me dizia nada – eu não tinha cá familiares que conhecesse, os meus familiares estavam em Angola –, e desisti de vir passar essas férias a Portugal, recebi esse dinheiro do qual preferi usar para conhecer Angola, quase de lés-a-lés; fiz uma viagem de 3400km até ao deserto de Angola. Por isso, o que ficava na nossa mente naquela altura, relativamente a Portugal, era que Portugal era um país muito ruim de se viver, isto falado pelos meus pais. Eu só conheci Portugal com 25 anos, agora já cá estou há 38 anos. Consegui refazer a minha vida, consegui criar três filhos que hoje quase que não precisam de viver às custas do Estado Português e, à custa de muito suor e trabalho, consegui vencer na vida. Hoje, com a idade que tenho, costumo dizer na brincadeira que tenho quatro “erres”. Tenho o primeiro “R” em setembro de 1950, que vem de “racionamento”, que era uma senha, um carimbo que justificava a tua existência, para teres direito a um quilo de arroz, por exemplo; em 1961 tenho o segundo “R”, de “refugiada”, por causa da primeira revolta de Angola, eu fui refugiada da cidade onde vivia para Luanda, os meus pais viviam no norte de Angola numa fazenda – tivemos que abandonar tudo e estive num centro de refugiados durante 2 meses, onde havia mais de 600 pessoas; em 1975, depois da Revolução, fui obrigada a vir para Portugal como “retornada”, outro “R”; depois, com 66 anos, apareceu o meu último “R” de “reformada”. Tenho muito orgulho em dizer que sou retornada, porque tive uma retornada feliz a Portugal.

*Sophia de Mello Breyner Andresen, poema "Hoje é a madrugada que eu esperava"

terça-feira, 27 de abril de 2021

Onde estava no 25 de abril?

 
Os alunos do K.Leio responderam mais uma vez ao desafio da professora Fátima Lopes no âmbito da disciplina de História. Desta vez, entrevistaram familiares, vizinhos e conhecidos sobre esse dia em que "emergimos da noite e do silêncio"*

Entrevistadora: Maria Pinto, 12ºF /nº17

Entrevistado: Rogério dos Santos Pinto, 65 anos

P: Onde estava no 25 de Abril ?

R: Em Lamego. A revolução de 25 de Abril foi executada na madrugada desse dia, o alarme foi dado pela rádio com acompanhamento da música de Zeca Afonso, o povo que vivia oprimido das suas liberdades saiu em massa à rua em manifestação pela liberdade. Eu, como aluno, quando cheguei à escola também para participar, saímos todos agrupados a manifestar em contentamento o fim da repressão e o início da liberdade. E perto da escola, havia um parque chamado “Parque Salazar” que, em conjunto fomos retirar as letras como maneira de manifestar o descontentamento com a ditadura fascista e ao mesmo tempo com medo, porque não sabíamos a evolução da revolução, pois as ruas começaram a ficar cheia de tropas armadas.

P: Tem conhecimento se houveram muitas mortes durante a revolução?

R: Passado pouco tempo, é que se teve conhecimento de que houve confronto entre o exército e a Guarda Nacional Republicana em Lisboa, no quartel do Carmo onde se tinha refugiado o então primeiro ministro Marcelo Caetano. Não houve muitas mortes porque foi designada a revolução dos cravos, podemos dizer que foi pacífica.

P: Tinha conhecimento que antes do 25 de Abril, havia oposição a Salazar?

R: Sim, mas na clandestinidade, porque quem fosse descoberto sofria represálias da PIDE e muitos foram presos. A repressão era tão grande, que não havia liberdade de expressão e de escrita.

P: Parece-lhe que o 25 de abril teve impacto no estrangeiro?

R: Sim, por esse facto Portugal hoje faz parte da União Europeia.

P: Já que havia tanta gente descontente e contra o regime, havia quem saísse do país?

R: Muitos portugueses fugiam do país clandestinamente, atravessando muitas das vezes as fronteiras a pé por montes e a nado em condições desumanas.

P: Considera que a revolução de abril trouxe a liberdade que desejaram?

R: Sim. No aspeto comunicativo, porque as pessoas podiam expressar-se livremente em comunicação uns com os outros, criticando muitas das vezes o que estava bem e o que estava mal sem medo de sofrer represálias, ao contrário do regime fascista não havendo censura na informação da população.

*Sophia de Mello Breyner Andresen, poema "Hoje é a madrugada que eu esperava"

segunda-feira, 26 de abril de 2021

Onde estava no 25 de abril?

 
Os alunos do K.Leio responderam mais uma vez ao desafio da professora Fátima Lopes no âmbito da disciplina de História. Desta vez, entrevistaram familiares, vizinhos e conhecidos sobre esse dia em que "emergimos da noite e do silêncio"*

Amadeu Vieira, 69 anos

09/04/2021 18:00

1. Como foi a sua infância durante o Estado Novo?

A minha infância foi a trabalhar. Não havia possibilidades para outra coisa. Os pais eram pobres, portanto, tive de trabalhar muito cedo.

2. Foi à escola? Como foi a sua experiência escolar durante o regime?

Sim, só fiz até à 4ª classe. Era uma escola de crianças, embora na altura as crianças fossem mais adultas. Portanto, o ensino que hoje se faz até ao 9º pelo menos, praticamente dávamos até à 4ª classe, enquanto hoje está mais dividido. Naquela altura não, cada ano era mais exigente. Tínhamos que nos sujeitar também às regras dos professores, às regras da escola, portanto não havia fugas possíveis.

3. Durante o Estado Novo, como era o seu dia a dia?

Enquanto estive na escola brincava e estudava. Como adulto, o meu dia a dia foi logo a trabalhar. A minha infância de brincadeiras de rapaz foi só no período de escola.

4. Com que idade começou a trabalhar e onde? Como eram as condições de trabalho?


Tinha 11 anos quando saí da escola e comecei a trabalhar. Primeiro como garagista, depois, como empregado de balcão de uma mercearia. Depois fui para os estaleiros, comecei a trabalhar lá já como uma profissão que ano após ano foi sempre melhorando porque era uma empresa muito grande, portanto tinha mais regalias.

5. Sentiu a sua liberdade de expressão limitada durante o Estado Novo?

Sim, na altura do Estado Novo havia repressão não só em expressar-se como em várias coisas. A repressão era visível, embora, com a minha experiência não tínhamos muito conhecimento do que era a política. Estávamos sujeitos às regras e fazíamos precisamente isso.

6. Tinha medo da PIDE ou de fazer qualquer coisa que pudesse ter tida como ofensa ao regime?


Não, porque não saía fora do normal, por falta também de conhecimento. Não entrava em lutas partidárias com ninguém, portanto não senti essa repressão. Senti mais a autoridade que havia de todos os órgãos de chefia. Cada posição hierárquica já era uma autoridade superior e eu respeitava-as, quer fosse no trabalho, na escola ou em qualquer lado respeitava a hierarquia.

7. Esteve na Guerra Colonial?


Sim. Primeiro estive na tropa cá e depois fui para o Ultramar, na Guiné-Bissau.

8. Como foi a sua experiência no ultramar?

Lá tínhamos pouca informação sobre o que se passava em Portugal. A Revolução foi vantajosa pois pude vir mais cedo do ultramar, porque começaram as negociações e a entrega das colónias aos africanos e obrigou a que fossemos desmobilizados mais cedo. Assim, só estive pouco mais de um ano na Guiné, embora a norma fossem dois anos ou dois anos e meio. Quando regressei, voltei a ocupar o meu lugar nos estaleiros e fui melhorando.

9. Quantos anos tinha no dia da Revolução?

Tinha 22 anos.

10. O que se lembra sobre o dia 25 de Abril de 1974? Onde estava?


Quando se deu o 25 de Abril estava precisamente na Guiné-Bissau. Íamos fazendo algumas perguntas aos oficiais até que nos reuniram e explicaram o que tinha acontecido cá em Portugal, pois as notícias eram muito vagas e não tínhamos acesso a rádios, no Mato. Explicaram-nos que foi um golpe de Estado em que, na altura, estavam as tropas na rua, e iria ser formado um Governo militar, e uma Junta de Salvação Nacional, que iria governar o país durante um período de tempo até depois se desenvolverem os processos políticos.

11. Qual foi a sua reação ao saber das notícias? Como se sentiu?

Quando nos contaram sobre o golpe de Estado sentimos alegria, até porque foi-nos informado que tudo ia modificar. Só o final das guerras coloniais já nos alegrava muito.

12. A seu ver, o que mudou com a Revolução dos Cravos? Em que áreas surgiram mudanças maiores?

Senti mais liberdade. Podia dizer aquilo que sentia. Já podia responder a um chefe ou uma pessoa superior a mim que até aí não o fazia.

Os partidos políticos começaram-se a desenvolver a partir do 25 de Abril. Começaram-se a formar novos partidos, cada um com as suas exigências e as suas lutas. Fomos formando também lutas através dos sindicatos, fomos ganhando mais direitos, mais regalias das empresas onde depois, nos anos seguintes, começou-se a ter um nível de vida bastante aceitável. Não digamos que era uma coisa extraordinária, mas já se aceitava em relação àquilo que era.

13. Aponte uma coisa que antes não podia fazer mas agora pode?

Éramos oprimidos. Não tínhamos direitos de expressão, de movimentação como se queria. Agora não temos isso, mas também não podemos exceder os nossos limites e direitos.

14. Quais considera que sejam as maiores diferenças entre os tempos atuais e a época do Estado Novo?

As maiores diferenças foram o próprio desenvolvimento do país. Foi uma diferença muito grande. Começou a haver melhor saúde, mais escolas, e o país desenvolveu-se com uma margem muito grande. Em termos de habitação e de acessibilidades houve um desenvolvimento muito grande em relação ao Estado Novo.

Bruna, 12º F

*Sophia de Mello Breyner Andresen, poema "Hoje é a madrugada que eu esperava"

domingo, 25 de abril de 2021

Onde estava no 25 de abril?

 
Os alunos do K.Leio responderam mais uma vez ao desafio da professora Fátima Lopes no âmbito da disciplina de História. Desta vez, entrevistaram familiares, vizinhos e conhecidos sobre esse dia em que "emergimos da noite e do silêncio"*

Entrevistada: Maria de Fátima Viana, 82 anos.

1.Como era o seu modo de vida antes da revolução? O seu dia-a-dia, relação com a família…


O meu modo de vida era simples. Durante a semana, fazia tarefas de casa, bordava e deslocava-me muitas vezes ao monte, para recolher lenha ou levar o gado, por exemplo. Como não tínhamos acesso a máquinas era tudo feito de forma manual, o que se tornava bastante exaustivo. As minhas refeições eram muito simples, uma vez que o estado económico não permitia mais. Só aos domingos é que comíamos carne e sobremesas eram muito raras, sendo apenas feitas em ocasiões especiais como a Páscoa ou o Natal.

2. Quando era criança frequentou a escola? Como foi a sua infância?

Só frequentei a primeira classe. A minha infância foi cansativa, passava os dias a trabalhar para quintas de outros proprietários ou a bordar. Utilizava estas tarefas para tentar brincar sempre que podia, porque raramente tinha essa oportunidade.

3. Começou a trabalhar com que idade e onde?

Com 10 anos já bordava e ia para o campo. Fazia serões a bordar e durante o dia trabalhava tanto nas propriedades da minha família, como também em outras quintas. Para além disto, fazia outros pequenos trabalhos que incluíam limpeza ou lavoura (que, no tempo, era levar o jornal).

4. Trabalhava por vontade própria?

Trabalhava porque era uma necessidade, era a única forma de conseguir sustentar a família e de ter acesso aos mínimos produtos alimentares e às mínimas condições de vida.

5. Como eram os relacionamentos entre as pessoas?

Tinha muitos amigos. Aos domingos saíamos, íamos passar as nossas tardes no rio e juntávamo-nos para ir a festas todos juntos. No entanto, os pais eram restritos, então estes encontros de amigos eram, por vezes, raros. Também me casei muito cedo, aos 20 anos e, com a mesma idade já tinha 2 filhos. Depois disso, tive mais 13 filhos.

6. Tendo em conta que na altura Salazar era o chefe de estado, sentia alguma pressão por parte do regime? Sentia-se privada ou limitada?

Sentia alguma pressão, e tínhamos sempre cuidado com o que se falava sobre política naquela época, uma vez que era frequente a presença de autoridades da PIDE que exerciam controlo sobre as pessoas. No entanto, sinto que não tinha muito contacto com a comunicação (uma vez que só tinha acesso à rádio) e tal facto pode ter permitido a omissão de informação acerca do estado atual do governo.

Mesmo vivendo num sítio relativamente pequeno, sabia-se da presença, embora não abundante, de algumas autoridades da polícia política. Isso fazia com que me sentisse mais alerta e com medo, sendo cuidadosa com todos os meus atos.

7. Como era o seu estado económico?

Era uma situação económica frágil. Tinha sempre de trabalhar arduamente para conseguir sustentar e ter até os mínimos produtos alimentares. Eu e a minha família passamos muitas dificuldades. Grande parte dos alimentos consumidos eram divididos em mínimas partes, uma vez que éramos muitos a viver na mesma casa, com pouco dinheiro.

8. Como descreve essa época da sua vida?

Eram, de certa forma, tempos de escravidão, de muita fome e trabalho árduo. Passava todos os meus dias a trabalhar.

Sobre o 25 de abril

9. Quantos anos tinha no dia 25 de abril?

36 anos.

10. Onde estava no dia 25 de abril de 1984? Como soube que houve uma revolução?

No dia da revolução encontrava-me na cidade, numa consulta. Soube da revolução quando, de repente, houve grande exaltação por parte das pessoas na cidade (que corriam, algumas entusiasmadas, outras assustadas). A abundância de polícias nas ruas e o grande número de aviões a sobrevoar o céu foram também elementos que me fizeram perceber que algo tinha acontecido.

11. Como se sentiu ao ver as notícias sobre a revolução?

Perante toda a confusão, inicialmente senti medo de que esta nova situação viesse a revelar-se pior que a anterior. Quando tudo acalmou e consegui mais calmamente saber mais informação acerca desta revolução, senti esperança de novos e melhores dias.

12. Como passou a ser a sua vida depois do 25 de abril? Sentiu mudanças fortes?

No início, essencialmente a mesma. As condições de vida melhoraram ligeiramente, mas não senti mudanças muito fortes no meu quotidiano. Porém, a longo prazo comecei a notar mais mudanças, boas mudanças. Havia mais empregos, os salários eram mais altos, as pessoas já não tinham tanto medo de simplesmente andar nas ruas e isso refletiu-se na nossa qualidade de vida.

13. O que faz agora, mas que antes da revolução não fazia?

Acho que o aspeto mais marcante são as minhas liberdades. Posso expressar as minhas opiniões mais livremente sem medo de sofrer algum tipo de repressão.

14. Qual a maior diferença entre essa época e a que vivemos agora?
Agora é muito melhor. Existe uma maior disponibilidade económica, temos mais liberdades cívicas, a censura desapareceu. Para além disto, as pessoas têm mentes mais abertas, existem menos tabus e sente-se a própria liberdade de diversas formas.

*Sophia de Mello Breyner Andresen, poema "Hoje é a madrugada que eu esperava"


sábado, 24 de abril de 2021

Onde estava no 25 de abril?

 
Os alunos do K.Leio responderam mais uma vez ao desafio da professora Fátima Lopes no âmbito da disciplina de História. Desta vez, entrevistaram familiares, vizinhos e conhecidos sobre esse dia em que "emergimos da noite e do silêncio"*

Entrevistado: Estrela Ribeiro, 70 anos

P: Onde estava no 25 de Abril?

R: Estava em casa, por acaso estava a ouvir a rádio, mas estava a tomar conta da tua mãe que tinha meses de nascida.

P: Tinha medo de Salazar e da PIDE? Tinha noção de que o povo tinha, ou não, medo do regime de Salazar e da PIDE?

R: Eu tinha, claro que tinha. O Salazar mandava a PIDE prender quem fosse da oposição, ou quem desse um passo em falso. Quanto à população, ela também tinha medo, mas também acrescentava a esse medo a dúvida se iam passar fome, se iriam matar ou até se íamos ter emprego.

P: Qual a escolaridade que fez? As pessoas que conhecia iam à escola?

R: Fiz até à quarta classe, as pessoas que conhecia eram os meus colegas de classe, então sim as pessoas que conhecia iam à escola. Uma curiosidade interessante, era que, naquela época, a escola, era uma casa de uma senhora, em que só havia uma sala com trinta e tais alunos, nós só tínhamos uma professora, ela dava de todas as matérias para todas as classes que ela tinha, e creio que em 4 anos aprendia-se muito mais que em 12 anos de escolaridade.

P: Tinha alguma ideologia política na época? Se sim, qual era?

R: Eu era e sou comunista.

P: Conheceu pessoas próximas que emigraram? Se sim, o que levou a elas emigrarem?

R: Para entenderes as pessoas emigravam a “salto” (ilegal), as pessoas tinham que arranjar um passador, para passar a fronteira, pois tinham que pagar 5,10, ou 20 contos, conforme o caso, depois tinham outros passadores para a continuação, às vezes eram presos pela PIDE, durante o caminho, e tinham que voltar para trás. Depois havia a Carta de Chamada (legal), que eram os patrões chamavam, tinham que tratar do passaporte e aí já podiam viajar legalmente. O teu tio foi de Carta de Chamada para França trabalhar enquanto o teu avô foi a “salto”.

P: Qual o impacto que a Revolução teve na sua vida?

R: Digamos que foi muito emocionante, porque passamos de não ter liberdade para fazer nada, sem que a PIDE estivesse ao encalço, para depois termos liberdade quase que infinita. Lembro-me de até ter chorado enquanto ouvia a rádio, foi uma sensação que só quem esteve presente naquele momento sabe o quão intenso foi, é uma sensação indescritível.

Marisa, 12º F

*Sophia de Mello Breyner Andresen, poema "Hoje é a madrugada que eu esperava"

sexta-feira, 23 de abril de 2021

Onde estava no 25 de abril?


Os alunos do K.Leio responderam mais uma vez ao desafio da professora Fátima Lopes no âmbito da disciplina de História. Desta vez, entrevistaram familiares, vizinhos e conhecidos sobre esse dia em que "emergimos da noite e do silêncio"*

Entrevistadora: Maria Matos
Entrevistado: Frederico Nunes (avô)

Quando é que se deu conta que aquele era um dia diferente OU que estava a acontecer alguma coisa diferente?

R: Nessa altura era condutor de ambulâncias na tropa. Tinha sido destacado para levar dois doentes a Lisboa, no local onde paramos para descansar ouvimos alguns murmúrios sobre a possibilidade de estar a decorrer um Golpe de Estado. No regresso ao Porto junto à rotunda da Boavista deparei-me com as ruas preenchidas por militares e habitantes, no entanto estavam todos bastante alegres e festejavam.

O povo tinha direito a votar durante o Estado Novo?

R:O Estado Novo foi marcado por ser antidemocrático, antiliberal, conservador e colonialista.
Do que me lembro os votos eram feitos entre o círculo por dentro do Estado Novo. Não me lembro de votar durante o mesmo, pois nem todas as pessoas podiam votar. Existia perseguição aos partidos e aos opositores, somente o partido do governo tinha autorização para funcionar e até os sindicatos eram perseguidos. Portanto não existia liberdade de escolha.

Existiam partidos políticos como agora ou só se podia votar nos nomes apresentados pelo regime?

R: Só se podia votar nos nomes apresentados pelo regime, existiam alguns partidos políticos como por exemplo o PC (comunista), no entanto eram clandestinos.

Como explica que a ditadura tivesse durado 40 anos?

R: Na minha opinião foi devido à repressão da PIDE perante o povo, mas também devido às pessoas que estavam sempre prontas para ouvir e acusar quem se manifestasse contra o regime, eram apelidadas de “bufos” e contribuíam para o medo das pessoas se manifestarem e causar a divisão do povo, isto ajudou a que a ditadura demorasse a terminar.

Sabe se os programas de rádio eram censurados?

R: Eram todos censurados, mas lembro-me de ouvir «A voz da Liberdade» que era transmitido penso eu dos Estados Unidos que falava mal da ditadura. Também me lembro de ter o cuidado de usar um copo de água em cima do rádio para abafar o som; sempre que ouvia algum barulho certificava-me de que não havia ninguém a ouvir nem à espreita, tinha muito medo de ser apanhado.

Deu-se conta de haver muita gente a emigrar? O que levava os portugueses a sair do país?

R: Oficialmente ninguém emigrava era tudo clandestino/fugido. O que levava e sair do país era a miséria existente, os baixos salários e condições de vida, lembro-me de ver a minha primeira televisão só aos 9 anos de idade. Lembro que o povo de Cabo Verde podia emigrar legalmente, mas não sei porque razão.

Parece-lhe que o povo português estava preparado para a Revolução de Abril?

R: Não tenho muita certeza disso, não sabíamos exatamente o que significava a liberdade, estávamos ansiosos de saber, como nunca a tínhamos vivido era difícil perceber como usufruir da mesma. Tanto eu como os meus amigos achávamos que a liberdade era uma «maluquice», mas com o tempo percebemos que não era bem assim.

Depois da revolução o país teve alguma dificuldade a organizar-se politicamente?

R: Sim teve devido aos interesses dos partidos especialmente os fascismos que queria «arranjar confusão» com os partidos de esquerda, chegavam ao ponto de fazerem atentados entre si.

Considera que nos nossos dias, existe alguém que possa adquirir os poderes de Salazar?

R: Não, acho impossível devido a Salazar ter uma “rede” de pessoas em volta dele que lhe permitia saber de tudo em todo o lado e mantinha o povo pouco informado mantendo-os na ignorância aproveitando-se dessa situação. Nos dias de hoje conhecemos o poder da liberdade, estamos informados e não podemos abrir mão disso. Julgo ser muito difícil voltar a acontecer tudo isso.

Maria Matos Nº18 12ºF

*Sophia de Mello Breyner Andresen, poema "Esta é a madrugada que eu esperava"

 

quarta-feira, 21 de abril de 2021

Onde estava no 25 de abril?

 


Os alunos do K.Leio responderam mais uma vez ao desafio da professora Fátima Lopes no âmbito da disciplina de História. Desta vez, entrevistaram familiares, vizinhos e conhecidos sobre esse dia em que "emergimos da noite e do silêncio"*.

Entrevistado: Carlos Coelho, 77 anos


P: Onde estava no dia da revolução?

R: Estava na minha casa. Estava ainda deitado na cama quando soube que estava a haver uma revolução.

P: Como é que soube do que se estava a passar?

R: Quando acordei liguei o rádio e apercebi-me do que se estava a passar.

P: O que mais o marcou nesse dia?

R: Penso que foi o sentimento de mudança, sentir que finalmente íamos ser livres.

P: Como era a sociedade antes da Revolução do 25 de abril de 1974?

R: Acho que antes do 25 de abril a sociedade vivia em constante medo, as pessoas tinham medo do regime. Nas ruas não se falava muito pois alguém podia estar a ouvir. Não se podia falar mal do Governo, nem dar a entender alguma opinião que não fosse a favor do regime, pois estávamos sujeitos a ser interrogados pela PIDE. Por outro lado, acho que grande parte da sociedade nem tinha consciência que vivia numa ditadura, talvez a política lhes passasse ao lado, não sei…

P: Considera que havia trabalho?

R: Não tanto como deveria haver. Eu tinha trabalho, mas o meu salário era o único cá em casa. A minha mulher ficava em casa com as minhas filhas e com a criada.

P: Trabalhava em que setor?

R: No setor da mecânica, era chefe de uma oficina de automóveis.

P: Em relação aos salários, relações com os empregados qual foi a grande mudança?

R: Penso que não houve grandes mudanças, pelo menos não para mim. Tinha um bom salário e sempre mantive uma boa relação com os meus empregados.

P: E em termos de proibições?

R: Lembro-me perfeitamente que era proibido falar mal do regime de Salazar. Recordo-me também de ir a Espanha muitas vezes visitar família e trazia de lá garrafas de Coca-Cola, aqui em Portugal não era permitida a venda da bebida então quando lá ia trazia sempre muitas garrafas.

P: E como é que trazia as garrafas para Portugal se a bebida não era permitida?

R: Vinham escondidas debaixo dos bancos do carro, muitas vezes punha-as debaixo dos assentos das minhas filhas e elas vinham sentadas nas garrafas.

P: O que mudou em Portugal com a Revolução?

R: Muita coisa mudou depois da Revolução, a polícia política deixou de existir, havia liberdade para falar, podíamos votar livremente, podíamos estar em grandes grupos de pessoas a conversar ou discutir ideias, mas acho que a grande mudança e a mais importante foi mesmo a liberdade.

P: Disse que depois da Revolução se podia votar livremente, isso quer dizer que durante a ditadura não havia liberdade de voto?

R: Não, as eleições não eram livres e nem todos podiam votar, pelo que me lembro as mulheres só podiam votar se tivessem andado na escola até uma certa altura.

P: Faz um balanço positivo ou negativo do 25 de Abril?

R: Um balanço positivo sem dúvida, o 25 de abril foi realmente uma coisa muito boa.

P: O que é que o leva a dizer que o 25 de abril foi realmente algo muito bom?

R: Como já disse anteriormente, se não fosse a revolução não haveria liberdade, outros partidos políticos ou eleições livres, mas sem dúvida que outro motivo que me leva a dizer que o 25 de abril foi algo de muito bom foi o final da guerra em Angola e Moçambique. Penso que o final da guerra foi bom para nós porque não tivemos de mandar mais homens para a guerra e foi bom também para os povos de lá porque conseguiram alcançar a sua independência.

P: Acha que Portugal vive em verdadeira democracia?

R: Sim, penso que sim. Porém, acho que podíamos viver muito melhor. Ainda há miséria, pessoas a passar fome, idosos sem dinheiro para medicamentos, existem muitas desigualdades, acho que ainda há vários aspetos que podem ser melhorados.
Realizado por Ana Felgueiras, 12º F

*Sophia de Mello Breyner Andresen, poema "Esta é a madrugada que eu esperava"

terça-feira, 20 de abril de 2021

Onde estava no 25 de abril?

 

Os alunos do K.Leio responderam mais uma vez ao desafio da professora Fátima Lopes no âmbito da disciplina de História. Desta vez, entrevistaram familiares, vizinhos e conhecidos sobre esse dia em que "emergimos da noite e do silêncio"*.

Entrevista a Elias Rodrigues

Muito bom dia, Sr. Elias. Desde já quero aproveitar para lhe agradecer a sua disponibilidade para esta pequena entrevista. Para iniciar, pode contar-nos como começou o seu dia 25 de abril de 1974?

Levantei-me normalmente e fiz a minha higiene pessoal. Após tomar o pequeno-almoço, despedi-me da minha mulher e segui para o trabalho. Para mim, era apenas mais um dia. Não sabia ainda o que vinha aí.

No caminho para o trabalho, notou algo de diferente, logo pela manhã?

Como trabalhava na Alameda, tinha de apanhar todos os dias o autocarro desde Moscavide, mas no caminho até à fábrica de estofos não notei nada de anormal a passar-se nas ruas. Tudo indicava que era apenas mais um dia de trabalho para toda a gente. Só quando cheguei ao trabalho é que me comecei a aperceber do que se estava a passar.

O que aconteceu quando chegou ao trabalho?

Logo que entrei na fábrica, alguns dos meus colegas já lá estavam, mas muito sobressaltados. Um deles pediu-me que ligasse a rádio, uma vez que no seu caminho até à Alameda tinha visto diversos militares e tanques na rua, nomeadamente no Terreiro do Paço, e todos, indignados, queriam saber o que se estava a passar. Logo que nos conectamos à frequência da Rádio Clube Português é que vimos que se estava a dar um golpe de Estado.

Quando ouviu a notícia, qual foi a sua reação e a dos seus colegas?

Todos ficamos com medo do que podia acontecer. Por exemplo, desencadear-se uma guerra civil entre as forças armadas (MFA) e as forças de segurança ainda fiéis ao Estado. Ninguém pensou, naquele momento, que o golpe sairia bem-sucedido. Alguns dos meus colegas regressaram a casa, outros saíram à rua para junto dos militares, quer por curiosidade, quer para ajudar no que pudessem, mas não sei até que ponto atrapalhavam o seu trabalho (risos). Poucos foram os que, como eu, ficaram a trabalhar.

O senhor decidiu ficar a trabalhar. Como correu o seu dia, consoante essa decisão?
Fui trabalhar para casa de um senhor na Avenida de Roma, para pôr cortinados e alcatifas. Em casa dele, a rádio esteve sempre ligada e nós íamos sempre conversando sobre as mais recentes notícias. Depressa percebi que o dono da casa era membro do Partido Socialista. Dizia sempre “A partir de hoje, vamos ter um governo socialista, oiça bem”. Quando descobriu que o golpe de Estado tinha corrido bem, ficou tão contente que ao pagar-me o serviço me deu uma gorjeta de 1000 escudos. Também eu fiquei muito agradecido (risos). Depois desse dia, ficámos grandes amigos e encontrávamo-nos muitas vezes para tomar um café/cerveja e conversar.

Quando o seu dia de trabalho terminou, ao voltar para casa, notou já diferenças na rua ou nas pessoas à sua volta?

Sim, muitas. Sabia que o Marcello Caetano já se tinha rendido e algumas forças armadas continuavam na rua a festejar, mas agora com cravos encarnados no cano da arma. Deu-me uma alegria imensa ver toda aquela cor e felicidade na cara das pessoas. No autocarro de volta para casa, festejavam uma revolução sem sangue, com ausência de feridos e mortos. Simultaneamente, o alívio que senti não foi completo, havia ainda muita incerteza acerca do próximo governo e do rumo que o país ia tomar.

Quando soube que o governo ditatorial tinha caído e que um novo ia tomar lugar, quais foram os seus pensamentos/expectativas?

Que estávamos a caminhar para a democracia. Logo a seguir ao governo provisório vieram as eleições, a primeira vez em toda a minha vida que votei. Senti-me muito importante, senti que estava a ajudar o meu país a seguir o caminho certo. O sentimento de ajudar a decidir o governo foi excelente, todas as pessoas na fila de voto sorriam e alegravam-se com a esperança de ter uma vida melhor dali para a frente.

Beatriz Simões, 12º F

*Sophia de Mello Breyner Andresen, poema "Esta é a madrugada que eu esperava"